Transcendência e Auto-Realização

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Uma pessoa sempre está projetando-se para além de si mesmo, dedicando-se a alguém ou a alguma coisa, em nome do amor. Desta forma, a pessoa pode encontrar sentido no mundo exterior. O homem transcende sua existência ao amar outra pessoa ou dedicar-se a alguma causa, ao invés de ficar fixado em seu umbigo, contemplando-se. A auto-realização é conseqüência desta transcendência, e isto pode ser percebido em diversos exemplos de personalidades famosas, como Martin Luther King, Madre Tereza de Calcutá (mesmo com seus conflitos em relação à fé), Gandhi, etc. Guardadas as devidas proporções, podemos encontrar esta transcendência em situações do nosso cotidiano como, por exemplo, na dedicação a nossos papéis familiares, como pais, filhos, irmãos. Assim, a melhor maneira de conseguir a felicidade é dedicando-se a causas desinteressadas.

A Terapia Biográfica e o Poder do Agora

Artigo originalmente publicado na revista online Personare

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Foto do blog Valongo Santos

Reviver ou resgatar o passado?

Consciência do que conquistamos nos ajuda a moldar metas mais seguras

Por Marcelo Guerra

Recentemente, recebi um e-mail com críticas ao trabalho da Terapia Biográfica, alegando que seria uma forma de reviver o passado e não viver o presente, citando vários filósofos e gurus. Respondi que a Terapia Biográfica tem o objetivo de encontrar sentido através da observação de fatos da própria vida, que são revistos de maneira objetiva, separando o que são fatos do que são sentimentos. Por isso, a proposta em nenhum momento é ‘reviver’ o passado, mas resgatá-lo, para compreender o presente e mudar o futuro.

Existem várias formas de iniciação, baseadas em ensinamentos de diversos mestres e tradições, mas nenhuma tão sensível a realizar mudanças em nossas vidas quanto a compreensão da própria biografia. Este é o significado de ‘resgatar o passado’, obter o entendimento da história que vivemos até agora, para perceber que o nosso comportamento hoje é determinado em grande parte por esta história, que não pode ser mudada, mas compreendida. Neste ponto, o momento presente deixará de ser governado por padrões de comportamento nem sempre agradáveis.

Viver o presente muitas vezes pode significar repetir padrões criados no passado. Esses padrões são inconscientes e geralmente nos damos conta deles justamente quando olhamos para trás. Vemos várias situações que, no momento em que aconteceram, pareciam tão originais, revelarem-se as mesmas, mas com personagens diferentes. Resgatar o passado é justamente tirar a sua vida de lá e trazê-la para o presente, deixando de ser refém do que passou, repetindo padrões que já não cabem mais.Viver o momento atual não pode significar jogar o passado para baixo do tapete, como se não houvesse existido. Porque muito do que vivemos hoje (e que outras pessoas também vivem), foi construído também, criado por ações e omissões nossas no passado. E o futuro poderá ser moldado com metas seguras, afinal estaremos navegando em mares agora conhecidos, apesar das novidades que sempre surgirão em nossas vidas. Quando resgatamos o passado, percebemos esses padrões e podemos conscientemente transformar nossas vidas de forma que atuemos a partir do que o momento presente nos pede e não a partir da repetição de padrões.

A Terapia Biográfica enfatiza a responsabilidade pessoal pela própria vida. Longe da ideia do ‘homem que se faz sozinho’, é preciso reconhecer as ajudas que recebemos (mesmo quando elas vieram disfarçadas de obstáculos no caminho). Mas é preciso ter consciência do que conquistamos por nossas iniciativas. Na minha situação, por exemplo: há 20 eu sou médico e tive que renunciar a muita coisa para conseguir isto. Também tive ajuda de meus pais, de professores, de colegas, para chegar aqui – e tive que enfrentar obstáculos também. O sentido que esta ajuda e que meu esforço para atingir este objetivo revelam pode me ajudar a estabelecer metas para as conquistas que ainda almejo, e trabalhar hoje em cima delas. A mesma responsabilidade pessoal deve ser buscada nos fatos desagradáveis da vida: o que eu faço para que eles aconteçam? Desta maneira, a sua própria história torna-se o seu grande mestre. E assim você pode viver o agora plenamente!

A valorização do homem

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Diversas áreas do conhecimento aplicam no seu dia-a-dia a antroposofia, uma filosofia criada no começo do século passado pelo austríaco Rudolf Steiner. De uma maneira geral, esta linha de pensamento defende o melhor relacionamento do ser humano consigo mesmo, com a natureza, respeitando sua individualidade, seu espírito e sua criatividade. Até mesmo no setor de Recursos Humanos das grandes empresas esta filosofia vem norteando muitos projetos, valorizando as características peculiares do trabalhador e o tratando como membro de uma grande comunidade.

Estamos mergulhando novamente na valorização do homem. Vivemos na era do conhecimento, um retorno à natureza divina, onde o ser humano deve estar no centro de tudo. A tecnologia pode substituir tarefas pesadas do cotidiano da sociedade, mas jamais conseguirá substituir a criatividade do homem. Esta valorização do bem-estar, da felicidade, da satisfação e do prazer buscam justamente reforçar a idéia de que nada é mais importante do que a plenitude do homem. Somente um ser humano feliz, cheio de amor e de tesão pela sua vida e pelas suas funções, desempenhadas diariamente, pode construir uma sociedade mais justa e mais fraterna. Uma sociedade onde possamos sentir que somos um prolongamento do irmão que está desempregado, ou com fome, ou desiludido, ou depressivo, ou contaminado pelo vírus do ódio, da cobiça e do ressentimento. Um homem feliz e que ama jamais pode cometer mal a quem quer que seja.

O ataque terrorista em Madri chocou todo o mundo. Impossível não derramar lágrimas com a brutalidade de uma ação perversa que mata e aleija tantas pessoas inocentes a troco da promoção do terror e do ódio contra raças e ideologias. Quando conseguirmos despertar nos seres humanos o amor e o carinho pelo próximo, reforçando a noção da grande família cósmica e divina sentiremos a mesma dor dos parentes que perderam seus entes queridos. Sentiremos vergonha e dor quando assistirmos uma criança tirando comida do lixo, um mendigo se embriagando com cachaça para fugir da dureza do seu dia-a-dia. Sentiremos a dor do suicida que perdeu a fé e a esperança em dias melhores, fraquejando frente a problemas criados por uma sociedade injusta, que privilegia o dinheiro e o poder em detrimento do amor e da solidariedade.

Precisamos buscar fazer nossa parte e contribuir para que o sol nasça mais bonito todos os dias e que tenhamos motivos de sobra para dar um bom dia, com um belo sorriso no rosto, para o primeiro desconhecido que passe por nós. Se plantarmos e soubermos promover o amor e a felicidade e nos preocuparmos com os outros da mesma forma que nos preocupamos com um irmão de sangue vamos amenizar tanta onda de ódio e de ganância que destrói a sociedade.

A antroposofia, como outras linhas filosóficas, busca reforçar a reflexão de que nada é mais importante do que o equilíbrio do homem consigo mesmo e com a sociedade em que vive. Já parou para pensar como você lida com os problemas, frustrações e dificuldades dos que estão próximos. Já parou para ouvir e dar uma palavra ou mesmo um gesto de carinho para aquele desconhecido aflito que você esbarra na fila do banco, no trânsito, no banco do ônibus? Experimente fazer o bem e veja como você se sentirá bem. Uma vela pode acender outra sem se apagar. Espalhe Luz!

(Artigo originalmente escrito em novembro de 2007)

Pó e Luz

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“Não há oposição entre o conhecimento de si mesmo que a psicologia propõe e o conhecimento de si mesmo que a espiritualidade propõe. Porque uma psicologia que não se abre a um itinerário espiritual corre o risco de nos enclausurar e, mesmo, nos desesperar. (…) Assim, o que impressiona em um ser humano que entrou neste caminho de transformação é, ao mesmo tempo, sua grandeza e humildade. Ele sabe que é pó e que ao pó retornará. Mas sabe também que é luz e que à luz retornará. E o que é o ser humano, senão esta poeira que caminha para a luz e que dança nela? É a este caminhar, a esta marcha que nós somos convidados por Fílon de Alexandria, Francisco de Assis e Graf Durckheim. E a vocês todos, desejo uma boa caminhada, um belo itinerário, com cumes e vales a atravessar. Porque o importante mesmo é caminhar!”

Extraído do Prefácio do livro Terapeutas do Deserto, de Leonardo Boff e Jean-Yves Leloup

Vida e Destino

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As almas em seus carros alados, quando antes de encarnar, chegam a um grande descampado, dão uma olhada para o alto. Contemplam em seus pedestais, a Justiça, a Beleza, o Pensamento, a Temperança, o mundo das idéias eternas e imutáveis, que ficam na “planície da Verdade”, diz Platão. Logo em seguida, elas escolhem o que vai ser a “sua vida efêmera”, à qual permanecerão ligadas por obra de Necessidade. Deusa caprichosa, ela, que tece seu fuso, e suas filhas, as temidas Parcas, cortam o fio da existência quando querem. Bebendo no rio do Esquecimento, prossegue o mito, perdemos a memória dessa escolha inicial de nossas almas – sem culpa nem responsabilidade de ninguém mais – cujo vínculo permanece no EU interior, nosso guia e destino ao mesmo tempo.

As Moiras, filhas do Destino

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As moiras eram três irmãs que determinavam os destinos humanos, especialmente a duração da vida de uma pessoa e seu quinhão de atribulações e sofrimentos.

  • Cloto (em grego “fiar”) segurava o fuso e puxava o fio da vida.
  • Láquesis (”sortear”) enrolava o fio e sorteava o nome dos que iam morrer. Distribuía o quinhão de atribuições de uma vida;
  • Átropos (”não voltar”) cortava o fio. Determinava os que iam morrer.

As moiras eram filhas de Moro e Nix. Moira, no singular, era inicialmente o destino. Na Ilíada, representava uma lei que pairava sobre deuses e homens, pois nem Zeus estava autorizado a transgredi-la sem interferir na harmonia cósmica. Na Odisseia aparecem as fiandeiras.

O mito grego predominou entre os romanos a tal ponto que os nomes das divindades caíram em desuso. Entre eles eram conhecidas por parcas chamadas Nona, Décima e Morta, que tinham respectivamente as funções de presidir ao nascimento, ao casamento e à morte.

Os poetas da antiguidade descreviam as moiras como donzelas de aspecto sinistro, de grandes dentes e longas unhas. Nas artes plásticas, ao contrário, aparecem representadas como lindas donzelas. As três deusas decidiam o destino individual dos antigos gregos, e criaram Têmis, Nêmesis e as Erínias. Pertenciam à primeira geração divina, e assim como Nix eram domadoras de deusas e homens. Junto de Ilitia, Ártemis e Hecate, Cloto atuava como deusa dos nascimentos e parto. Láquesis atuava junto com Tiche, Pluto, Moros, etc. qualificando o quinhão de atribuições que se ganhava em vida. Atropo juntamente de Tânatos, Queres e Mors determinava o fim da vida.

O que você quer para sua vida?

>>Este artigo foi originalmente publicado na Revista online Personare, em dezembro de 2008.

Você já reparou que suas decisões nos assuntos que mais afetam a sua vida não levam em conta apenas as circunstâncias externas, mas principalmente seus ideais, suas aspirações, seus desejos? Nosso mundo interno cada vez fala mais alto e exige mais respostas. Perguntas como “Quem eu sou?”, “O que estou fazendo aqui?” ou “O que eu quero para a minha vida?” aparecem e reaparecem em determinados momentos de nossas trajetórias..

A construção de uma carreira bem sucedida, por exemplo, leva em conta muito mais fatores do que o salário do fim do mês. Considera o grau de identificação com os colegas, além da satisfação que o trabalho pode oferecer. Estes são fatores que extrapolam a simples lógica do mundo material, é o nosso mundo interior se manifestando, querendo ser ouvido.

É aí que reside a importância da Terapia Biográfica. Porque não há melhor material para entendermos o que queremos das nossas vidas do que a história de nossas próprias vidas. Muitas vezes buscamos respostas em um livro, num guru, numa corrente filosófica. Contudo, as respostas reais brotam dos fatos da vida que levamos até aqui, como reagimos a eles, como os sentimos, como os transformamos em padrões e porque ficamos presos a esses padrões. Através destas respostas podemos agir criando metas para o futuro, mudando a vida de acordo com o sentido que lhe atribuímos.

A Terapia Biográfica é aplicada de diversas formas, em diferentes situações. Os encontros biográficos, que duram quatro dias, são oportunidades de rever toda a história de forma panorâmica, como se você estivesse olhando do alto de uma montanha para a sua vida. Dessa experiência pode-se separar o que é essencial do que é acessório. Esta visão panorâmica é apoiada por atividades artísticas, como a aquarela, em que muito se diz sem palavras. O momento final é dedicado a estabelecer o seu próprio programa de metas de mudanças que você deseja para sua vida, baseado exclusivamente no que você viu nesse panorama. É uma oportunidade de dirigir nosso olhar para a nossa própria história por quatro dias inteiros. Pessoas que participam dos panoramas biográficos saem muito motivadas e obtêm uma clareza bem maior do que é preciso mudar, pois enxergam o que é essencial nas suas vidas.

Você pode perceber que o seu interior está em desequilíbrio quando:

  • Começa a tomar atitudes das quais logo em seguida se arrepende
  • Apresenta comportamentos compulsivos, como comprar coisas que não precisa, pela simples necessidade de gastar dinheiro (que muitas vezes você não tem)
  • Fica preso a um relacionamento no qual não se sente satisfeito, mas do qual não consegue se livrar, repetindo padrões muitas vezes herdados de seus pais.

É preciso perceber e separar os galhos da árvore da sua vida que ainda podem frutificar daqueles que precisam ser podados, para que o restante da árvore readquira o vigor. A Terapia Biográfica ajuda nesse processo. Ela é fruto dos tempos em que vivemos, em que cada um de nós busca compreender-se melhor como indivíduo e afirmar seu papel na comunidade em que vive.

Marcelo Guerra

A Essência da Terapia Biográfica

Vivemos um tempo em que cada pessoa busca, com diferentes graus de empenho, compreender-se melhor como indivíduo. Frutos deste tempo são a psicanálise, a antroposofia, a teosofia, o humanismo, as diversas correntes psicoterápicas e a aproximação da filosofia com estas correntes

O ser humano tem hoje maior consciência de si do que em séculos passados, o que gera mais questionamentos. Nossas decisões deixaram de ser guiadas unicamente pela lógica das circunstâncias externas, e passaram a levar em conta nosso mundo interior, nossas aspirações, nossos desejos. Cada vez mais temos notícias de pessoas que largaram carreiras bem sucedidas em termos de dinheiro e prestígio, para dedicar-se a uma vida mais simples, mas que corresponde a uma busca interior de mais tempo junto às pessoas queridas, à possibilidade de dedicar-se a um hobby, ou a outro interesse qualquer que não diretamente ligado à profissão de origem. Exemplos deste movimento são executivos que trocam os escritórios por uma pousada numa praia escondida no litoral.

Nosso eu interior, nosso mundo interno, cada vez fala mais alto e exige mais respostas. As perguntas centrais são: “Quem eu sou, afinal? O que eu quero fazer com a minha vida? O que estou fazendo?” É aí que reside a importância da Terapia Biográfica. Porque não há melhor material para entendermos o que queremos das nossas vidas do que a história de nossas próprias vidas. Nossas questões essenciais em relação a nossas vidas só podem ser respondidas no contexto da vida em si. Pouco adianta confrontar nossas questões com teorias filosóficas ou mesmo esotéricas. O que traz respostas reais são os fatos da vida que levamos até aqui, como reagimos a eles, como os criamos, como os sentimos, como os transformamos em padrões, e porque não conseguimos sair destes padrões. Estas respostas são a chave para que, através do pensamento e do sentimento, possamos agir no sentido de modificar nossas vidas, tornando-as plenas de sentido.

Através do trabalho biográfico, o participante treina um distanciamento em relação à sua própria vida, como se a visse do alto de uma montanha, como uma paisagem. Com o prosseguimento do trabalho, é preciso criar um senso de responsabilidade por sua própria biografia, depois de entender pequenas frações da sua história, saindo do lugar de vítima das circunstâncias e tornando-se senhor(a) de sua própria vida. Através deste trabalho, uma pessoa pode sair da posição de deixar as coisas acontecerem a ela e assumir a direção de sua própria vida.

Este não é um processo fácil ou mágico, do tipo “vou fazer umas atividades numa tarde, relembrar algumas coisas e tudo vai entrar nos eixos.” Não, este é um processo que pode ser longo e cansativo, e geralmente nem um pouco fácil, em que se defronta com fatos que a pessoa preferiria deixar debaixo do tapete da memória para sempre, não fossem eles causadores de tantos outros sofrimentos e padrões de comportamento dolorosos. E quando você começa a trabalhar com estes fatos e compreendê-los, você pode chegar a escolhas para o futuro, totalmente baseadas na sua biografia. Esta é a essência da Terapia Biográfica: unir o passado, o presente e o futuro ao redor da questão de cada um, para que a pessoa possa tomar a vida em suas próprias mãos.

As voltas que a vida dá

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Assim como as estações marcam o ritmo do planeta, a cada sete anos começam novos ciclos em nossas vidas e eles trazem desafios especiais. Estar em sintonia com eles torna mais fácil aceitar o passado, viver o presente e traçar metas para o futuro.

De onde vim? Quem sou? Para onde vou? Essas são algumas questões que somos convocados a responder em alguns momentos-chave ao longo da vida.

Uma das formas de fazer isso é olhar os acontecimentos importantes como uma história – a biografia –, percebendo que a cada sete anos (mais ou menos) surge um fato novo e importante que nos desafia a crescer e desenvolver nossos potenciais. Essa é a base do Biográfico, método sistematizado pela médica, terapeuta e escritora Gudrun Burkhard com base na antroposofia, a ciência espiritual fundada pelo médico austríaco Rudolf Steiner (1861-1925).

Esses ciclos de sete anos chamam-se setênios, e pode reparar: quando eles começam, transformações significativas acontecem. Algumas são físicas e valem para todos, independente de cultura, etnia e vontade. A troca dos dentes aos 7 anos, a puberdade aos 14, a conclusão do crescimento aos 21. As mudanças físicas são as mais fáceis de perceber, porém são tantas outras metamorfoses que tecem a vida! Os fios de nossas muitas escolhas, emoções e fatos externos vão se sobrepondo em uma complexa teia moldada por herança genética, lugar de nascimento, profissão, nascimento dos filhos, casamento, rupturas, doenças, encontros que nos levam ao autoconhecimento e a desenvolver a espiritualidade.

“Cada pessoa tem sua história e não há duas iguais. Mas já na Grécia Antiga, seis séculos antes de Cristo, os filósofos observaram que há leis universais que valem para todos. O conhecimento dessas fases faz perceber quais são os frutos de cada estação e quando colhê-los no ponto. Esperar até que as habilidades amadureçam é o grande segredo para viver plenamente”, diz a doutora Gudrun.

E o sentido da morte?

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O sentido da vida depende do sentido que damos à morte. Se a morte é vista como simples negação da vida e como tragédia biológica, então vale o que São Paulo já dizia: “comamos e bebamos pois amanhã morreremos”.

Mas há culturas que lhe deram um sentido mais alto. Ela é oportunidade de construir o próprio destino e de plasmar o mundo à nossa volta consoante um projeto civilizatório.

O cristianismo, por sua vez, propõe a sua representação da morte. Não contrária à vida, mas como uma invenção inteligente da vida para poder dar um mergulho radical na Fonte de toda vida. A morte não seria um fim-termo mas um fim-meta alcançada, um peregrinar rumo ao Grande Útero paternal e maternal que enfim nos acolherá definitavamente.

Dentro do cristianismo desenvolveu-se, com referência à morte, uma tradição de grande significação e de sentido de festa. Trata-se da tradição franciscana. Francisco de Assis conseguira uma reconciliação bem sucedida com todas as coisas, com as profundezas mais obscuras de nossa vida e com suas dimensões mais luminosas. Cantava a morte como irmã. Não como bruxa que nos vem arrebatar a vida mas como irmã que nos introduz no reino da plena liberdade. Morreu cantando salmos e cantigas de amor da Provence.

Os franciscanos todos guardam esta herança sagrada na forma como celebram a morte de algum confrade, membro da comunidade. A mim, com frade (que ainda sou em espírito) me tocou vivenciá-lo inúmeras vezes. É simplesmente comovedor – uma pequena antecipação do novo céu e da nova Terra – dentro deste já cansado planeta. Ao se aproximar a morte do confrade, toda a comunidade se reune ao redor de seu leito. Recitam-se salmos e orações, infundindo confiança ao moribundo para o Grande Encontro. No dia em que morre, à noite faz-se festa. É a chamada “recreação”. Ai há confraternização, comida, bebida, comentários sobre a saga pessoal do confrade falecido e jogos de vários tipos.

No dia seguinte faz-se o enterro. E à noite, nova “recreação” festiva. O que se esconde atrás desse rito de passagem? Esconde-se a crença de que a morte é o vere dies natalis, o verdadeiro Natal da pessoa, o momento em que acaba de nascer definitivamente. Como não estamos ainda prontos, embora inteiros, cada dia vamos nascendo, progressivamente, até acabar de nascer. Isso dá-se na morte. Esta não é a campa da vida. É seu berço. Quem pode se entristecer com o nascimento da vida? É Natal e Páscoa, magnificação da vida mortal que a partir da morte se eterniza. Portanto, há bons motivos para festejar e celebrar.

O efeito desta compreensão é a desdramatização da morte e a jovialidade da vida. A vida não foi criada para terminar na morte, mas para se transformar através da morte. Esta representa aquele momento alquímico de passagem para uma outra ordem de realidade, onde a vida pode continuar sua trajetória de expressão das infinitas possibilidades que contem, até aquela de poder se fundir com a Suprema Realidade.

Então podemos dizer: não vivemos para morrer. Morremos para viver mais. Melhor ainda: para permitir a ressurreição da carne que é a revolução dentro da evolução.