Descoberta da Lei dos Semelhantes

O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde.”

Em 1790, aos 35 anos, nasce sua terceira filha, Amália, que tonou-se sua favorita. Neste mesmo ano morre sua mãe, e é informado por uma carta de suas irmãs, Carlota e Benjamina. Hahnemann andava afastado de sua mãe, que não o compreendia bem, irritando-se com o comportamento enigmático e pouco prático de seu filho.

 

Neste ano, traduzindo vários livros para que sua família pudesse alimentar-se, um deles é de especial interesse para a história, o Tratado de Matéria Médica do médico escocês Cullen, no próprio ano da morte do autor. Ao traduzir o artigo dedicado à quinquina, droga peruana já conhecida por sua eficácia no tratamento da malária, Hahnemann fica impressionado com uma afirmação de Cullen. O químico escocês afirma que a quinquina cura a malária por fortalecer o estômago, devido às suas propriedades amargas e adstringentes. Como em sua estada na Transilvânia sofrera violentos ardores no estômago quando tomara a quinquina, tinha que discordar de Cullen. Decide então tomar novamente o remédio e observar suas reações. Ele fez uma anotação no manuscrito da tradução que elaborava: “ A título experimental, tomei durante vários dias, duas vezes por dia, quatro dracmas (aproximadamente 18g) de pó de quinquina. Os meus pés e a ponta dos meus dedos ficaram frios. Senti-me fraco e sonolento. Em seguida, meu ritmo cardíaco acelerou. Meu pulso tornou-se rápido e nervoso. Intolerável ansiedade, tremores mas sem rigidez, prostração em todos os membros, depois pulsações na cabeça, no coração, nas bochechas, sede. Em suma, todos os sintomas habitualmente associados à febre intermitente. A crise aguda durou de duas a três horas e repetiu-se a cada ingestão da droga. O córtex de quinquina que é utilizado para a febre intermitente atua porque é capaz de produzir sintomas semelhantes aos da febre intermitente num homem de boa saúde. ” Nasce aí a Homeopatia! Esta é a Pedra Fundamental da Homeopatia. O próprio Hahnemann cita o ano de 1790 como aquele “em que se afastou dos caminhos batidos da medicina.” Esta experiência, este fato, irá desembocar na Lei dos Semelhantes, que é enunciada assim: “Qualquer substância que, administrada a um homem de boa saúde, provoque certos sintomas patológicos, torna-se, depois de diluída, capaz de curar sintomas semelhantes encontrados no doente.”

A idéia da similitude já existia em escritos de Hipócrates, Stahl, Paracelso e outros autores menos célebres, porém Hahnemann sistematizou a prática de experimentações em pessoas saudáveis de remédios e o seu uso terapêutico naqueles que apresentavam sintomas semelhantes. O curioso é que Hahnemann menciona os precursores, mas omite o nome de Paracelso, talvez para evitar todo o preconceito que já existia colado ao seu nome no meio médico e para separar a Homeopatia de todo o conteúdo esotérico ligado à Alquimia.

Em 1791, aos 36 anos, a publicação da tradução do Tratado de Matéria Médica de Cullen, com as anotações pessoais de Hahnemann causou indignação entre os médicos, que rejeitaram sua experimentação. Um farmacologista de Berlim, o Professor Lewin, sugere que Hahnemann tenha desenvolvido uma possível sensibilidade especial à quinquina, por ter sido exposto à malária previamente. Esta tese é defendida por outro farmacologista, este de Budapeste, o Dr. Bakody.

Hahnemann está convicto de suas descobertas e das conclusões tiradas de seus experimentos, e passa a defender a universalidade do princípio da similitude, o que causa muita polêmica entre os médicos. Em defesa de suas idéias, Hahnemann mostra uma personalidade muito violenta. Condena publicamente a medicina da época, que continua a praticar sangrias, purgações, clisteres e dietas debilitantes. “Sangrias, contínuas purgações, clisteres, dieta debilitante formam o círculo infernal no qual se movem os médicos alemães.”

Em 1791, aos 36 anos, nasce sua quarta filha, Caroline, de saúde ainda mais delicada que os outros, que requer cuidados dispendiosos e constantes. A família vive num único quarto. À noite, Hahnemann isola-se num canto do quarto, puxa uma cortina e escreve durante grande parte da noite à luz de vela. De manhã, ajuda nos afazeres domésticos e ocupa-se das crianças. À tarde, vai para a biblioteca. O dinheiro é cada vez mais escasso, até o pão era contado. Hahnemann abandonou a prática da medicina e passou a dedicar-se exclusivamente aos livros para o grande público e traduções, por uma questão moral: ele não acreditava nos métodos da medicina de seu tempo, e percebia que fazia melhor ao paciente quando não lhe dispensava qualquer remédio. “Se estou convencido de que o meu doente está verdadeiramente melhor sem os meus remédios… Que Deus me ajude! Como poderia eu exercer assim a medicina? Não posso continuar a ser o carrasco dos meus irmãos. Tornar-me o assassino dos meus irmãos era para mim um pensamento tão terrível e tão opressivo, que abandonei a medicina para não mais ser levado a fazer o mal.” Resolve mudar-se para Stotteritz, um subúrbio de Leipzig, onde as crianças podem ter uma vida um pouco mais saudável, com mais contato com a natureza, e um aluguel mais barato.

Neste ano publica o livro “O Amigo da Saúde”, um manual de higiene e medicina para o público leigo, em dois volumes, onde enuncia regras a seguir para manter a saúde. Alcançou um certo sucesso com esta obra. Mostra também regras de higiene a serem adotadas pelas cidades, combatendo latrinas e chiqueiros, louvando as descargas, a água encanada. Aconselha o exercício físico e o banho frio para a manutenção da saúde, a frugalidade à mesa, a sobriedade , um consumo abundante de água e, sobretudo, a alegria.

Ainda em 1791, aos 36 anos, é eleito membro da Sociedade Econômica de Leipzig e também, por unanimidade, membro da Academia de Ciências da Mogúncia. Começa a tornar-se célebre, mas o dinheiro continua escasso. Entre os 35 e os 36 anos traduziu 7 livros, um total de 2367 páginas, que tratam de medicina, química, agricultura e higiene.

Em 1792, Leopoldo II, imperador da Áustria, que no ano anterior havia formado uma frente comum com a Prússia destinada a contrapor-se à França revolucionária, morre de causas suspeitas. Abriu-se um inquérito, que revela que sua morte foi causada pela forma como fôra tratado pelos médicos. Hahnemann, ainda com 36 anos, publica um artigo extremamente violento no jornal Der Anzeiger (de seu amigo, o Conselheiro Becker, o qual seria veículo de muitos de seus escritos) atacando o médico do imperador e os métodos usados, quatro sangrias num espaço de 24 horas a um paciente já desidratado pela diarréia de uma cólera. Este artigo causou uma grande repercussão, suscitando muita polêmica, mas chamou a atenção do duque Ernesto, de Saxe-Coburgo-Gotha, que o convidou para ser diretor de um manicômio em Gotha, instalado no antigo castelo de caça do duque, para onde mudou-se com sua família, aos 37 anos, deixando Leipzig para trás.

O asilo só tinha um paciente, Frederico Klockenbring, a quem Hahnemann dedica todos os cuidados com bom senso e gentileza, e depois relata num artigo publicado em 1796 chamado “Retrato de Klockenbring durante sua loucura.” Diferentemente do tratamento vigente na época, Hahnemann não castigava seu paciente, mas o tratava com respeito e dignidade, ganhando sua confiança. O paciente tem alta curado após um ano de tratamento, e o asilo fica sem nenhum interno.

Enquanto viviam no manicômio, os Hahnemann desfrutavam de conforto, boa alimentação, educação e lazer para os filhos. Tiram férias e visitam a Turíngia. Hahnemann escreve algumas obras bucólicas: “Um quarto de criança”, Misturas filosóficas”, “Da satisfação dos sentidos”, “Da escolha de um médico”. Estavam em paz e sem problemas materiais. Num livro que ele escreve chamado “Manual para as mães”, Hahnemann descreve a rotina de suas crianças. Eles levantam ao nascer do sol, e eram vestidos com roupas confortáveis, para brincar ao ar livre, sem toucas ou chapéus, e muitas vezes descalços. Não lhes era permitido ser preguiçosos e seus sentidos eram treinados através de jogos e brincadeiras. Seus pais lhes ajudavam a superar o medo de escuro. Hahnemann ensinou-lhes a ser educados, a nunca mentir e a controlar sua raiva. Seu dia tinha um ritmo com horários para alimentar-se e para o descanso. À noite, iam cedo para a cama. Num outro capítulo deste livro, é explicado o método eficaz com que Hahnemann alfabetizou seus filhos. Primeiro eles olhavam figuras, depois praticavam as vogais, para então chegar às sílabas. Ele lhes ensinava a desenhar todo tipo de objetos, incluindo figuras geométricas, antes de lhes permitir copiar as letras e as palavras.

Hahnemann não goza da simpatia das autoridades locais, e os conselheiros financeiros do duque Ernesto o aconselham a fechar o asilo. Perguntado quantos malucos há no asilo, o juiz do tribunal local responde: “Um único maluco, e é o próprio Dr. Hahnemann!”

Em 1793, aos 38 anos, Hahnemann e sua família deixam o castelo de Gotha, após receber uma boa indenização. Mudam-se para Molschleben, e moram num bairro moderno. Logo no início de 1794, ainda com 38 anos, nasce seu filho Ernesto, assim batizado em homenagem ao duque, que morrerá antes de completar um ano.

Em Molschleben trata uma epidemia de impetigo com Hepar sulphur, um remédio criado por ele mesmo quando de suas experimentações alquímicas com seu sogro. Obtém sucesso com seu remédio. Escreve aí a primeira parte de um Dicionário de Farmácia, preconizando a preparação de tinturas vegetais a partir de plantas frescas, colhidas em seu habitat natural, como ainda hoje é feito nas Farmácias Homeopáticas. Este dicionário foi muito bem aceito pelos farmacêuticos, e foi-se tornando presente em praticamente todas as farmácias alemãs. Publica um novo teste para detecção de adulterações no vinho.

Após dez meses, muda-se novamente, por não ter conquistado muitos clientes, e continuar sem dinheiro. De fato, é um círculo vicioso, porque na esperança de viver do exercício da medicina ele muda-se para lugares menores, mas não tem dinheiro suficiente para manter-se até formar uma clientela, assim muda-se logo e recomeçam os problemas. Some-se a isso a conjuntura de guerras e insurreições camponesas que a Europa atravessa. Sobrevive graças às suas publicações. Hahnemann faz um desabafo: “Por que não nos libertam da guerra, esse túmulo das ciências!”

Em 1794, ainda com 38 anos mudam-se então para Pyrmont, pequena e bonita estação termal. Durante a viagem, à altura de Mulhausen, a carruagem tomba e eles são violentamente projetados para fora, ficando gravemente contundidos. Hahnemann escapa com um galo na testa, uma das meninas fratura uma perna, mas o pequeno Ernesto, com poucos meses, fere-se gravemente e entra em coma profundo, e não resiste, morrendo aos três meses. Isto causa uma profunda tristeza em Hahnemann, que já era austero e reservado e torna-se bastante abatido. No acidente, muitos de seus pertences são perdidos ou avariados.

A vida em Pyrmont, por ser uma cidade turística, é muito cara, e aos 39 anos, no começo de 1795, Hahnemann muda-se para Brunswick, onde moram numa casa com jardim. Nesta casa nascem suas suas filhas gêmeas, das quais só uma sobreviverá, Frederica. Aí também fica sabendo da morte de seu tio Christian August, em Meissen, mas isso já soa-lhe muito distante.

Publica o segundo volume de “O Amigo da Saúde”, e os volumes restantes de seu “Dicionário de farmácia”. Traduz do francês o “Manual para as mães” de Rousseau, e do inglês um livro de farmacologia. Recebe elogios nas revistas médicas pelo seu trabalho como escritor e tradutor. Reafirma sua crença na necessidade de higiene pública e pessoal, e de exercícios físicos, dieta equilibrada, ar fresco e água limpa.

Em 1796, deixa Brunswick, já com 41 anos, e vai para Wolfenbuttel. Este é o ano histórico em que publica um longo e abrangente artigo, chamado “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais”, que é o registro oficial do nascimento da Homeopatia. Nele demonstra que, antes de qualquer coisa, é necessário experimentar os efeitos dos remédios que se quer utilizar em si próprio e em outras pessoas saudáveis, segundo esse princípio de similitude. Hahnemann trabalhou nisso desde 1790, experimentando substâncias em si e em pessoas próximas, e depois verificando nos doentes o efeito positivo da utilização da similitude.

Compreende-se porque Hahnemann considerava secundários o dinheiro, o conforto e as comodidades. Na realidade, seu objetivo é assegurar o mínimo essencial para viver. Vive do entusiasmo de sua descoberta, uma nova maneira de vencer a doença.

Logo em seguida publica “Alguns apanhados sobre os princípios aceitos até os nossos dias”, e ambos os artigos foram publicados no Jornal de Medicina Prática, uma revista dirigida pelo Dr. Hufeland, um professor de medicina da Universidade de Viena, que admira a personalidade de Hahnemann, sem compartilhar de suas idéias.

No “Ensaio de um novo princípio sobre as virtudes curativas das substâncias medicinais” Hahnemann começa descrevendo a metodologia clássica de evidenciar as propriedades medicinais das substâncias, que são o estudo das propriedades físico-químicas e as experiências com animais. Afirma que não se pode transpor para o homem o resultado de uma experimentação feita nos animais, com total segurança. Condena a teoria das assinaturas (analogias provenientes da observação das famílias botânicas e das formas das plantas), que considera ultrapassada, por ser falha em muitas situações. A única maneira confiável e científica de descobrir as propriedades medicinais de uma substância é a experimentação no homem são, conclui Hahnemann. “Para curar radicalmente certas afecções crônicas, é preciso procurar os remédios que normalmente provocam no organismo uma doença análoga e o mais análoga possível. SIMILIA SIMILUBUS CURENTUR.”

Hahnemann é apreciado pelo grande público, mas amaldiçoado por seus colegas, que sentem-se feridos em suas reputações pelos seus artigos.

Início na medicina e primeiros escritos de Hahnemann

“A notícia da morte de nosso pai irá tocá-lo tanto quanto tocou a mim. Estávamos os dois destinados a chorá-lo de longe.” (Auguste Hahnemann, irmão)


Em 1783, aos 28 anos, nasce sua primeira filha, chamada Henrietta como a mãe, ainda em Gommern. O afeto de Hahnemann por sua filhinha era muito grande, e para ela compôs uma canção de ninar:

“Durma filha, suavemente!

O passarinho amarelo canta no bosque;

Levemente ele pula sobre a neve e o gelo,

E dorme quieto nos galhos secos

– suavemente ele dorme.”

Em 1784, aos 29 anos, publica seu primeiro artigo criticando os médicos, chamado “Guia para curar profundamente as feridas antigas e as úlceras pútridas”. Nele, critica a sistemática cauterização cirúrgica das feridas. O artigo continha extensas referências à necessidade de medidas de higiene, que eram desconhecidas à época, e à importância de exercícios físicos. Termina o artigo afirmando que os pacientes ficariam melhor se não tivessem a assistência de um médico. Publica também alguns artigos médicos, condenando o uso de emplastros de chumbo ou de mercúrio, denunciando sua toxicidade. Em outros critica o abuso do álcool e do café, este último com muita veemência. Suas publicações são muito bem aceitas pelo meio médico, como atesta um elogio de um editor de um jornal médico, o Professor Baldinger: “O autor trata seu tema a fundo, corretamente. Mostra o lado nocivo dos tratamentos habituais e sugere melhores soluções.”

Neste ano, mudam-se para Dresden, que era uma cidade importante, a estadia preferida dos reis da Saxônia, era considerada a Florença do Elba. Lá recebe a notícia de que seu pai morrera, por uma carta de seu irmão mais novo, Auguste, que se tornara farmacêutico. “A notícia da morte de nosso pai irá tocá-lo tanto quanto tocou a mim. Estávamos os dois destinados a chorá-lo de longe.” Seu pai trabalhara até a morte aos 66 anos, como pintor de porcelana, mesmo com a visão muito enfraquecida. Foi enterrado em Meissen. Hahnemann escreveu em sua autobiografia: “Soube sempre distinguir entre o bem e o mal com tanta fineza e delicadeza, com tanta retidão, que isso foi para mim uma grande lição. Foi meu mestre. Sua concepção da origem do universo, da dignidade do homem e do seu destino marcava cada ato de sua existência. Eis aqui definido o verdadeiro fundamento da minha conduta moral.”

Hahnemann permanecerá em Dresden por 4 anos. Lá também atrai poucos clientes, contudo tem intensas atividades intelectuais e científicas. Através da Maçonaria, torna-se amigo do médico-chefe dos serviços públicos da cidade, o Dr. Wagner, que lhe pede para substituí-lo durante um ano em que esteve doente (31 anos). Assim, Hahnemann familiariza-se com os hospitais da cidade e interessa-se pelas questões de higiene da cidade. Passa a trabalhar como médico das prisões e médico legista. Conhece Lavoisier neste período, quando este visita Dresden.

Um outro amigo maçom, o conselheiro Adelung, chefe da Biblioteca do Príncipe, abre-lhe as portas da grande biblioteca da cidade. Neste período, Hahnemann escreve obras originais e realiza traduções, quais sejam:

Em 1786, aos 31 anos, escreve “Sobre o envenenamento pelo arsênico, seu tratamento e sua constatação do ponto de vista legal”.

Em 1787, aos 32 anos, traduz um livro do farmacêutico belga Van den Sande, sobre  pureza e adulteração de substâncias químicas, ao qual adiciona tantas informações derivadas de suas experiências químicas, que praticamente é um novo livro. Escreve “Critérios de pureza e de falsificação dos medicamentos”. Escreve sozinho 2 livros: “Dissertação sobre os preconceitos contra o aquecimento pelo carvão de terra. Como melhorar este combustível e sua utilização no aquecimento dos fornos” e “Sobre as dificuldades de preparar o álcali mineral pelo potássio e o sal marinho.”

Em 1788, aos 33 anos, escreve 4 obras: “Da influência de alguns gases na fermentação do vinho”, “Sobre os meios de detectar o ferro e o chumbo no vinho” (cujo método é utilizado até hoje para detecção de adulteração nos vinho para torná-lo mais doce), “Sobre a bile e os cálculos biliares”, “Sobre um meio eficaz de deter o processo de putrefação” (este último foi traduzido para o francês no ano seguinte e publicado em Paris no Jornal de Medicina.

Em 1789, aos 34 anos, publica um artigo sobre “Modo exato de preparação do mercúrio solúvel.”

Em 1790, aos 35 anos, outro artigo, “Exposição completa sobre a maneira de preparar o mercúrio solúvel”.

 

Estes livros e artigos tornam Hahnemann conhecido e respeitado na Alemanha e na Europa, mas trazem-lhe também inimigos. O trabalho sobre a toxicidade do arsênico leva à interdição dos remédios à base de arsênico, que eram tão usados para malária à época. Nesta obra, ele foi muito veemente, mostrando-se indignado contra “o degradante comércio de receitas que ofendem a terapêutica, essa ciência imitada de Deus.” Estes trabalhos demonstram a preocupação constante de Hahnemann com adulteração de substâncias, e esta preocupação seria a causa de sua eterna briga com os farmacêuticos. Os médicos, ele também os considerava cruéis, inescrupulosos e gananciosos, além de mancomunados com os farmacêuticos. Neste período, o interesse de Hahnemann é muito voltado para a química.

Já o mercúrio solúvel foi elaborado por Hahnemann no laboratório de seu sogro Häseler, em Dessau.

Enquanto escrevia esses livros, encontrou tempo para traduzir do inglês para o alemão o livro “História de Abelardo e Heloísa”, do inglês Barington, uma obra eminentemente romântica.

Aos 33 anos, nasce seu filho Frederico. A situação financeira continua difícil, sobrevive com os poucos clientes e o dinheiro ganho com traduções e publicações de seus livros. Em 1788, aos 33 anos, seu amigo Dr. Wagner, mal recuperado de sua doença, morre e Hahnemann concorre à sua sucessão, contudo é preterido pelo Dr. Eckhardt, mais velho e residente há longo tempo na cidade. Um ano depois o Dr. Eckhardt falece, mas Hahnemann decide não concorrer à sua vaga, acreditando que suas chances são mínimas.

Decide então deixar Dresden e mudam-se para Leipzig, aos 34 anos, após o nascimento de uma segunda filha, Guilhermina. Seus filhos, como ele próprio em sua infância, têm a saúde delicada, o que piora a situação financeira. Henrietta tricotava praticamente todas as roupas da família. Leipzig era uma próspera cidade industrial, com uma vida médica intensa, e chegam à cidade em 28 de setembro de 1789, dia de São Miguel.

O ano de 1789 foi marcado pela Revolução Francesa, que afetaria todo o continente europeu. E Leipzig era uma importante cidade da Europa Central, constituindo um centro econômico e cultural de monta. Era conhecida como “a cidade do livro”. Hahnemann reencontra sua primeira faculdade, que deixara há 13 anos, e torna-se assíduo freqüentador de sua biblioteca.

Faculdade, início da vida adulta e casamento de Hahnemann

Posso testemunhar por mim mesmo, que também em Leipzig eu pratiquei uma das máximas de meu pai, de nunca ser um ouvinte passivo.”

Este trabalho paralelo foi possível pelo seu conhecimento de diversas línguas. Ele deu aulas particulares de francês e alemão para um jovem grego muito rico. Também traduzia livros do inglês para o alemão. Só em Leipzig ele traduziu quatro livros do inglês para o alemão. Com as traduções, além de ganhar dinheiro, havia um ganho de conhecimento médico. Nesta época, Hahnemann começa a praticar atividades físicas regulares, como caminhadas, para suportar a pressão mental. Este hábito ele manterá até os seus últimos dias.

Também em Leipzig, Hahnemann só assistia às aulas que ele considerava importantes para seus propósitos, mesmo tendo conseguido um passe livre para todas as aulas e palestras de todos os professores de medicina de Leipzig, graças à indicação do Dr. Bergrath Pörner, um renomado médico local que admirava sua inteligência e seus esforços para tornar-se médico, e que havia sido alertado sobre os dotes de Hahnemann pelo Reitor Müller. Contudo, a Faculdade de Medicina de Leipzig, apesar de ser a mais renomada da Alemanha à época, não dispunha de um hospital-escola, onde os alunos pudessem aprender supervisionados pelos seus professores, e isto decepcionou muito Hahnemann, que passou a ler muito mais do que assistir aulas. Um professor de Leipzig que ele admirava muito era o Professor Johann Zeune, a quem ele dedicou um poema em latim

Aos 21 anos, em 1776, Hahnemann decide mudar-se para Viena, onde freqüentava o Hospital dos Irmãos de Misericórdia em Leopoldstat, sob a direção de Dr. Von Quarin, que era o médico particular da Imperatriz Maria Teresa e do Imperador José II. Para esta mudança ele precisou de dinheiro, e relata em sua autobiografia que “uma piada de mau gosto” retirou-lhe boa parte do que economizara em seus dois anos em Leipzig, podendo ter sido roubado ou não ter sido pago por algum amigo que tenha lhe tomado dinheiro emprestado, contudo ele não menciona aquele que perpetrou este desfalque, preferindo perdoá-lo. Com muito pouco dinheiro ele empreendeu esta viagem para Viena, e lá não contava com nada para sua subsistência.

Estes obstáculos não o demoveram de suas decisões, e já em Viena, o Dr. Von Quarin admirou seu entusiasmo e tornou-se seu amigo e demonstrou esta admiração levando-o junto para visitar seus pacientes particulares, regalo que nenhum outro pupilo alcançara, e assim Hahnemann obteve os ensinamentos tanto teóricos quanto práticos que perseguia, mesmo sem poder pagar um centavo a seu tão dedicado tutor.

Após nove meses, as dificuldades financeiras cada vez mais impactantes, já que não tinha nenhuma atividade colateral em Viena por absoluta falta de tempo, veio a seu socorro o próprio Dr. Von Quarin, que o indicou para o Governador da Transilvânia, o Barão Samuel von Bruckenthal, que o contratou para organizar sua biblioteca e valiosa coleção de moedas, e atuar como médico de sua família. Mudou-se então para a Transilvânia após tão breve estada em Viena, mas deve ao Dr. Von Quarin todo o renome que alcançou posteriormente. Chegou lá aos 22 anos e logo ingressou na Maçonaria. Lá começou a atender como médico, embora ainda não estivesse formado, e tratou de muitos casos de malária, endêmico na região, tendo sido acometido por ela também neste período, tendo sido tratado com o pó de quinquina, que lhe causou violentos ardores estomacais.

Aos 23 anos, morando em Hermannstadt, Transilvânia, aproveitou para aprender as línguas locais, além do alemão, quais sejam, romeno e húngaro e umas variedades de eslovaco misturadas. Também dedicava-se ao estudo de outras línguas, e já dominava o Alemão, o Francês, o Inglês, o Espanhol, o Latim, o Grego, o Romeno, o Húngaro e o Hebraico ao deixar Hermannstadt.

Aos 24 anos, após 1 ano e 9 meses aí residindo, voltou à Alemanha para concluir seus estudos de Medicina. Sua estada na Transilvânia proporcionou-lhe os meios financeiros para tal empreitada. Hahnemann escolheu a faculdade de Erlangen, de muito menor reputação do que Leipzig, mas muito mais acessível financeiramente. Outro motivo para escolher Erlangen deve ter sido por esta ser uma das novas Universidades criadas sob a inspiração do movimento cultural chamado ‘Iluminação’, que respeitava a liberdade de opinião e de ensino, estimulando o espírito crítico entre os seus alunos. Certamente, esta Universidade era mais condizente ao espírito inquieto e independente de Hahnemann. Apresentou a monografia intitulada “ Uma visão das causas e tratamento das cólicas”, e depois agradeceu aos seus pais, ao Reitor Müller, ao Dr. Von Quarin, e ao Barão Von Bruckenthal.

Hahnemann permanece um ano em Erlangen, aperfeiçoando seu aprendizado. Aos 25 anos, busca sua primeira instalação como médico, e decide-se pela região da sua Saxônia natal, numa pobre cidade mineira de quatro mil habitantes chamada Hettstedt, chegando lá aos 25 anos. Como muitos habitantes adoeciam devido à manipulação do cobre das minas, Hahnemann traduz um livro sobre as propriedades do cobre e suas intoxicações. Por estar numa cidade com uma população tão pobre, seu consultório permanece vazio, e Hahnemann preenche seu tempo livre escrevendo artigos médicos, um em especial sobre a sífilis, que é publicado no jornal Observações Médicas de Krebs, tornando-o conhecido no meio médico. Aproveita também o tempo livre para estudar mineralogia e química, sendo que este último era o assunto que mais crescia na Europa de então, desde os trabalhos de Van Helmont e Boyle no final do século XVII.

Aos 26 anos, acossado pela necessidade, deixa Hettstedt e instala-se em Dessau, na mesma região, porém muito mais rica e com uma vida cultural importante, com teatros e salas de concerto.

Sua clientela foi gradativamente crescendo, junto aos seus estudos de química, que o levam a conhecer um importante farmacêutico da cidade, chamado Häseler, dono de uma bela farmácia localizada no centro da cidade. A farmácia, à época, era o segundo principal local(só ficando atrás das tabernas) onde os homens reuniam-se para conversar sobre negócios, política e outros assuntos, nas cidades da Europa. Junto à farmácia ele mantinha um laboratório de química, para o qual convidou Hahnemann para freqüentar e participar de suas experiências químicas. Cabe lembrar que nesta época a química era profundamente ligada à alquimia, e foi este farmacêutico que o iniciou nesta arte e ciência. Posteriormente Hahnemann introduziu na farmacopéia homeopática remédios derivados destas experiências alquímicas, como o Mercurius vivus, o Hepar sulphur e o Causticum.

Häseler, seu amigo farmacêutico, é padrasto de uma linda jovem de cabelos negros e grandes olhos castanhos, chamada Johanna Leopoldina Henrietta, nove anos mais nova que Hahnemann, ou seja, 17 anos nesta época. Henrietta era herdeira de seu pai, que também fôra farmacêutico. Hahnemann apaixonou-se por ela, e como ainda não desfruta de uma vida confortável financeiramente, busca novos meios de subsistência, pois não admite ser sustentado pela esposa ou pelos sogros. Häseler o indica para um posto de médico higienista numa cidade a quarenta quilômetros de Dessau, chamada Gommern, onde receberia um salário modesto, mas fixo, e poderia abrir um consultório nesta cidade. Gommern era pouco populosa, cerca de mil e quinhentos habitantes, mas era uma cidade próspera devido à agricultura e pecuária.

Em Gommern, a clientela também não aparece, e Hahnemman não consegue ganhar a vida. Contudo ele permanece aí e casa-se com Henrietta em 1782, aos 27 anos, em Dessau, e a leva para sua casa, que não é nada confortável. Seus sogros não apreciam muito o casamento, e Häseler fez um comentário a amigos, “ninguém casa-se com um sujeito esquisito como este!”. Um de seus presentes de casamento mais queridos foi um leque de marfim, exibindo uma cena de família, pintado pelo seu próprio pai, que Hahnemann ganhou um mês antes do casamento ao visitar seus pais.

Sua clientela é escassa em Gommern, e seu tempo livre é dedicado ao estudo da medicina e às experiências químicas com Häseler. Retoma as traduções, e dedica-se a traduzir alguns importantes livros técnicos de química, que ajudaram a impulsionar a indústria química na Alemanha. Suas traduções são acrescidas de correções técnicas e anotações pessoais.

A juventude de Hahnemann

O Reitor, Mestre Müller, amava-me como se eu fosse seu próprio filho.”

Aos 15 anos, passou a estudar na Escola do Príncipe, por um especial convite do Reitor Müller, que transferiu-se para lá e arranjou para que Hahnemann não pagasse nada. O lema da escola, escrito logo no portão de entrada era ‘Sapere Aude’ (ousa saber), e depois Hahnemann o usaria na capa do Organon, seu mais importante escrito, a partir da segunda edição. Seus professores reconheciam seu talento e dedicação, não lhe cobrando tarefas escritas ou cópias, e deixando que ele só assistisse às aulas que considerava importantes para sua formação. Ele não era interno na escola, e dormia na casa do reitor, a quem ajudava nas correções de lições.

Formou-se na Escola do Príncipe aos 20 anos, tendo apresentado uma dissertação em latim, como era costume na época, intitulada “A Maravilhosa Construção da Mão Humana”. Após sua apresentação, expressou sua gratidão à ajuda e suporte recebidos em seus anos de estudo do Reitor Müller e dos outros professores, de seus pais e de seus irmãos. Este agradecimento foi feito através de um poema que ele escreveu em francês, sendo ovacionado pelos presentes à formatura ao retirar-se do púlpito em direção às cadeiras para juntar-se aos seus pais.

Ainda aos 20 anos ingressou na Universidade de Leipzig, e daí em diante afastou-se praticamente completamente de sua casa paterna, só tendo tido oportunidade de voltar uma vez, e depois nem para as festividades. Seus anos de estudo sempre foram marcados pela dedicação de muitas horas sobre os livros e pelo trabalho paralelo para custeá-los.