As coisas simples da vida

A Universidade de Nottingham fez um estudo acerca das coisas simples da vida, aquelas coisas que trazem felicidade às nossas vidas e daqueles que nos rodeiam.

Poderia chegar-se à conclusão que a felicidade estava relacionada com o dinheiro, ou seja, quanto mais dinheiro tivermos e gastarmos, mais felizes seremos. No entanto, as conclusões foram exactamente as contrárias. As coisas mais simples da vida são gratuitas ou custam pouco dinheiro.

Exemplos dessas coisas simples são:

* Barras de chocolate
* Longo banho de imersão
* Dormir uma sesta a meio da tarde
* Um passeio no parque

Descobriram também que além de nos fazerem mais felizes, estas experiências são mais duradouras e têm maior impacto na sensação de bem-estar com a vida.

Provavelmente daqui a vinte anos, quando se lembrar que tinha um telemóvel de última geração, não irá ter nenhum sentimento especial e talvez nem esboçar um sorriso, porque são experiências materiais que passam assim que o factor novidade desaparece. Por outro lado, irá com certeza lembrar-se para toda a vida, de algumas conversas que teve com os seus familiares ou amigos, como por exemplo a notícia de um nascimento ou de um jantar especial.
As coisas simples da vida e o dinheiro

Uma das comparações que foi feita neste estudo analisou o nível de felicidade entre um grupo de vencedores de jackpot na lotaria com um outro grupo normal. Foi usada uma escala de satisfação com a vida (desenvolvida pela Universidade de Illinois).

Aos inquiridos foi perguntado como se definiam nestas escaladas em relação aos vários aspectos da sua vida, qual a disposição demonstrada e como tratavam do sentimento interiormente.

A surpresa dos resultados demonstrou que não eram os carros topo de gama e as jóias que aumentavam o nível de felicidade dos novos milionários. O que lhes traziam mais alegria era ouvir música, ler um livro ou beber uma garrafa de vinho num ambiente descontraído.

No estudo, os vencedores da lotaria eram mais felizes que o outro grupo de controlo, 95% comparado com 71%. Então as Universidades estudaram que tipo de presentes eles davam a si próprios que pudessem explicar esta diferença. Compararam actividades gratuitas, como passeios e sestas, com actividades caras como viagens ao estrangeiro.

A investigação demonstrou que, nos dois grupos, as pessoas mais felizes eram as que faziam as coisas simples da vida, como nadar e tomar banhos de imersão. As pessoas menos felizes eram aquelas que utilizavam o dinheiro para comprarem frequentemente muitos DVDs ou muitos jantares fora de casa.
Conclusões do estudo das coisas simples da vida

Algumas das conclusões do estudo foram:

* Comprar carros de luxo ou deixar de trabalhar e fazer uma viagem para paragens exóticas, não está ao alcance da maioria das pessoas, por isso devemos aprender os pequenos truques simples da vida com as pessoas que se consideram mais felizes na sociedade.
* Passar tempo a relaxar é o segredo para uma vida feliz. São as coisas simples da vida, que não custam dinheiro mas que causam maior impacto e que fazem diferença na nossa vida. Mesmo que não tenhamos dinheiro para as coisas materiais que desejamos.

Crianças e TV

Josy Fischberg, O Globo

RIO – Os pais podem dar a definição que quiserem para a televisão: babá eletrônica, janela para o mundo, mal necessário, praga, inimiga – isso só para citar algumas. Mas todos eles ainda estão longe de respostas concretas quando tentam definir “certo” e “errado” na programação que seus filhos vêem. Bia Rosenberg, que dirigiu e escreveu atrações para o público infanto-juvenil na TV Cultura há mais de duas décadas, ouviu, por anos, perguntas, questões e dúvidas de gente grande preocupada com gente pequena em frente à televisão. Juntou tudo e o resultado é o livro “A TV que seu filho vê” (Panda Books), lançado semana passada.

Estão ali alguns dos motivos que levam as crianças a verem televisão (hábito, escapismo, companhia, aprendizado, fantasia); verdades e mentiras sobre a TV (engorda? estimula o consumo? programas violentos podem afetar a forma como a criança compreende a vida?); como se vê TV em cada etapa da infância; o que fazer com crianças que consomem programação para adultos; entre outros.

A seguir, alguns trechos do livro:

“A partir dos 7 anos, as crianças começam a interessar-se pela programação adulta. Se seu filho assiste a minissérie carregadas de conotações sexuais ou a filmes de ação exibidos após as 22h, se ele gosta de ver telenovelas de fim de tarde, como adulto você vai negociar uma mudança de hábitos com ele. Ou, alternativamente, vai começar a ver com seu filho aos programas que ele gosta, para poder atuar como orientador (…)”

”Para que seu filho se torne um telespectador moderado e consciente, você também precisa ser. Não adianta propor a seu filho atitudes e mudanças em relação à TV se você nâo adotar os mesmos critérios de consumo equilibrado. A melhor dieta de TV para seu filho pode resumir-se apenas a dar o exemplo”.

”(…) o bom programa é aquele que diverte e, sempre que possível, introduz conceitos que completam a formação da criança. O programa de qualidade é aquele que é atraente para seu filho e ao mesmo tempo o ajuda a crescer, compreendendo melhor a si mesmo ou ao mundo”.

”De acordo com a Associação Norte-Americana de Pediatria, cada hora de programação infantil contém aproximadamente vinte atos violentos. Segundo outra estatística norte-americana, quem chega à idade de 12 anos terá visto na TV aproximadamente 20 mil assassinatos e 80 mil mortes de origens variadas”.

Tecendo o Fio do Destino

“Destino?

Agulha no palheiro

onde o homem se procura

O tempo inteiro”

Lindolfo Bell

A Escola do Vale, em Duas Barras (RJ) convidou-me para realizar este seminário para suas professoras e iniciamos no sábado, 16 de fevereiro de 2008, às 14h. O próximo encontro será dia 15 de março, às 14h.

Novo grupo no Rio de Janeiro, começando no dia 10 de maio de 2008, sábado, às 14h, à Rua Pereira da Silva, 135, Laranjeiras. INSCREVA-SE JÁ!

PALESTRA INTRODUTÓRIA GRATUITA NO DIA 3 DE MAIO DE 2008, ÀS 9H.

Cada um de nós nasce com um destino, não como um livro previamente escrito em que cada ato nosso está previsto, mas como uma missão a nós confiada. Isto faz com que a vida tenha um sentido e, muitas vezes, sofremos com angústia ou depressão por não percebê-lo claramente. Os fatos de nossas vidas estão aí para que encontremos o Fio do Destino que, junto com o nosso livre arbítrio, tece os acontecimentos tanto no nosso mundo interior quanto na nossa vida nas comunidades em que vivemos.

Este curso tem o objetivo de buscar o fio do destino de cada um, desembaraçá-lo, tecê-lo de forma diferente, mais confortável, mais de acordo com o sentido que queremos dar para nossas vidas. Para isso trabalharemos com fatos de nossas próprias vidas. Este trabalho será feito com palavras e arte, como aquarela, modelagem em argila, tricô, desenho, contos de fadas, vídeos, teatro, etc. Ninguém precisa ser artista para participar, é claro.

Muitas das questões que nos colocamos hoje são percebidas de modo diferente quando as situamos no contexto mais amplo da vida toda. A troca de experiências de vida num grupo é enriquecedora e suaviza os sentimentos ligados a essas experiências.

O curso será coordenado por Marcelo Guerra, Médico Homeopata, Terapeuta Biográfico em formação. Terá a duração de 10 encontros mensais e um novo grupo começará no Rio de Janeiro, a partir de 10 de maio de 2008. O investimento para cada módulo será de R$100,00 (já incluído o material). As vagas são limitadas e as inscrições e mais informações podem ser obtidas pelos telefones (21)3717-5215, (22) 8112-4983 ou pelo e-mail marceloguerra@terapiabiografica.com.br

Cada um hospeda dentro de si uma águia. Sente-se portador de um projeto infinito. Quer romper os limites apertados de seu arranjo existencial. Há movimentos na política, na educação e no processo de mundialização que pretendem reduzir-nos a simples galinhas, confinadas aos limites do terreiro. Como vamos dar asas à águia, ganhar altura, integrar também a galinha e sermos heróis de nossa própria saga? (Leonardo Boff)

A Experiência de Estar Perdido – Psicologia de Lost

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Daniel Wood

 

Quando fui convidado por Joyce Werres a escrever um artigo para o IJRS, senti-me um pouco desconcertado. Para determinar alguma medida do meu desconcerto – é de rir, mas é verdade, o fato de que nunca sabemos a exata extensão em que estamos perdidos; caso contrário seria muito fácil reencontrar o caminho – tenho de confessar que não pude responder imediatamente ao convite com um “sim”, ou algo mais concreto, como “Sim, e tenho precisamente algo preparado para essa ocasião”.

       Não podia dizer plenamente meu “sim”. Tenho alguns artigos escritos por minha conta, há alguns anos que pratico esse exercício de escrita. Mas não pensei de imediato em publicar nada que tivesse escrito antes, lido ou não por outrem. Achei que o tema devia vir por si, algo que contribuísse para o momento que estou vivendo – pois, outra confissão: escrevo bem e com paixão quando o tema se apossa de mim, e considero isso uma coisa bem à moda de quem se interessa por Carl Gustav Jung e a imensa profundidade e extensão de sua obra. 

Não é, pois uma questão de dizer que sei precisamente o que se sucede. Existem lampejos: por exemplo, uso de mim o pouco que sei quando estou escrevendo – escrevo com paixão, mas isso não quer dizer que escrevo como se estivesse cavando um poço na Lua enquanto pulo carnaval em Marte a bordo de uma nave que se dirige a Saturno, e o último período não foi escrito metaforicamente. 

Esta semana estou muito sob a influência da questão que permeia a obra de Philip K. Dick, e considero algo muito próprio da psicologia complexa esse contínuo ato de perguntar o que é real e o que é ilusório, em conjunção com “o que é que constitui um autêntico humano”. Está viva em minha mente a tradução que acabei de terminar (há apenas dois dias) do texto em que Dick, considerado um dos maiores autores de ficção científica do século XX (parece-me que um dos prêmios que recebeu postumamente foi de “o maior”), em cuja obra se baseou o cinema ao filmar Blade Runner (Caçador de Andróides), O Pagamento, Screamers, Impostor, Total Recall (O Vingador do Futuro), Scanner Darkly. Uma olhada pela Internet e encontrei pelo menos um curta-metragem baseado em histórias desse escritor. Mas, desconfio sinceramente que temas como Matrix e Cidade das Sombras (Dark City), ou mesmo O Show de Truman, foram baseados, em algum grau, no pensamento inovador que Philip tem ao abordar as duas questões que o afligem. 

Também é possível pensar de outro modo, reconhecendo, como de costume, que a revolução que o pensamento junguiano representa para a humanidade está muito longe de ser delimitada. Outra série de ficção científica que fez muito sucesso na década de 1990 foi Babylon 5, cujo autor (J. M. Straczynski) interessava-se explicatamente por Jung. 

Romances são escritos, falseando a vida de Jung; mas contá-la de modo impreciso e às vezes até desonesto não é privilégio dos escritores – alguns, que se intitulam biógrafos, também o fazem dando tonalidades obscuras a algo cuja multiplicidade, estrutura e funcionamento precisa ser examinado mais detidamente do que pelo simples olhar de uma sociedade de consumo, uma configuração social que está acostumada a devorar as coisas antes mesmo de ser capaz de saber as conseqüências desse desenfreado apetite. 

Há alguns anos isso me faz selecionar continuamente, receoso, o que leio. Assim pensando, cheguei em minha casa para encontrar uma série de TV empilhada ao lado de minha televisão. Fizera o aluguel da série Lost, que tanto lugar recebe dos meios televisivos e jornalísticos nos dias de hoje, sendo chamada, ao lado de Ronaldinho, de “fenômeno”. 

Ronaldinho é um fenômeno por correr atrás da bola com maestria, embora não seja muito bom quando se trata de trabalhar em equipe. A série “Lost”, contudo, mostra um bando de gente perdida. Um vôo que se perde ao sobrevoar, desviado de sua rota, uma ilha perdida num lugar qualquer. Sem rádio, sem tevê, sem jornal. Os personagens parecem sobreviventes ao acaso, o que pensaríamos numa situação dessas à primeira vista: o vôo não foi fretado, são pessoas que por razões desconhecidas e em aparência não-congruentes foram parar lado a lado nos assentos de um vôo cuja missão era atravessar o oceano, saindo da Austrália, que os americanos chamam de “down under”. Na própria série os autores fazem questão de explicar, em um dos episódios, o motivo de escolherem (além dos custos) a Austrália como ponto de partida daquele vôo com uma anedota: “eles” (os norte-americanos) chamam a Austrália de “down under” porque é “o mais próximo que se pode chegar do inferno sem cair nele”1. Eu já vira esta expressão noutro filme de ficção “estonteante”, esse tipo de ficção que nos faz perder o rumo das coisas de chofre. Foi em “O Cubo Zero”2. Um personagem desapareceu; ao se fazer menção a ele, perguntando onde se encontra, respondem: “down under”, mas o letreiro da legenda em português diz: “Austrália”. Nada faz supor que aquele personagem tinha ido à Austrália. Ele estava morto, embora isso ainda não fosse revelado. Constata-se a partir disso que “down under” também pode significar a outra alusão à morte – pois, como se diz em português, “lá embaixo” também pode significar “debaixo da terra”. 

Estar, porém, “lá embaixo”, remete a um lugar que a civilização não está acostumada a pensar. Não em termos de mapa mundi, pois nós estamos “aqui embaixo”, ou pelo menos é que dizemos quando apontamos no mapa nossa localização. O Sul do Brasil em particular, de onde agora escrevo, está “aqui embaixo” no mapa do mundo, no mapa do Brasil, no mapa da América do Sul. 

Mas “embaixo” é uma posição que sempre se refere a algo que se supõe “em cima”. Costuma-se supor que a consciência é uma instância superior, está acima do resto do corpo se a consideramos situada na cabeça. E se o mundo estiver espetado num palito invisível, como uma dessas maçãs sendo assada ao fogo, poder-se-ia supor que a parte de baixo é essa em que estamos como na convenção do mapa – eles o fizeram, eles “lá em cima” o fizeram, então, parece natural, eles suporem que o lugar onde estão suas cabeças, não as nossas, seja “em cima”. Mas se a mão que segura o espeto estiver virada para baixo, então o lugar no mapa em que estamos “embaixo” na verdade é “em cima”. 

Tudo é uma questão de perspectiva, o modo de perceber a realidade, e Jung sabia perfeitamente bem disso, pois escreveu a respeito e salientou de vários modos essa circunstância. Einstein também falou sobre o assunto, embora em outros termos, e não tendo em vista, num primeiro momento, a perspectiva psíquica do universo. Para Einstein as linhas de campo gravitacionais que cingem o universo e fazem com que ele esteja dependurado em cordões invisíveis não têm relação imediata com a psique. A Teoria da Relatividade, tanto em sua parte geral quanto em sua parte especial, explica a questão da perspectiva de uma maneira diferente da abordagem junguiana, mas fala de coisas muito próximas à psicologia complexa. A Física também discute a realidade – impossível seria se não o fizesse, pois, se os gregos buscavam a physis, não é por acaso que também investigavam psyche como um dos elementos estreitamente relacionados ao elemento primordial do universo. Se a physis está na geração do universo, a psyche, sendo alma, é a “substância” que anima o universo, como é vento sob as asas da borboleta – e aí a noção de psyche por vezes se confunde com a noção de pneuma, como hoje as religiões confundem, eventualmente, alma com espírito. 

Não é à toa que Jung e Pauli colaboraram tanto. O conceito de sincronicidade não é uma invenção como, por exemplo, o automóvel a gasolina. É uma descoberta. É a retirada de uma ponta do véu de Ísis, que recobre todas as coisas. Uma parte do véu de Maya que se desfaz, para de novo recobrir a verdade. 

Como não é à toa, em Lost, que os personagens se encontram “ao acaso” e mais tarde os acontecimentos, em plano triplo (passado, presente e futuro se superpõem nas cenas) vão oferecendo razões para deixar claro que onde não há razão aparente existe uma trama profunda cujos ramos só deixam perceber gradações em níveis. 

A cada nível de profundidade, descobre-se mais e mais complexidade. Em flashbacks que mostram os passageiros do vôo 815 da Oceanic, um ou outro passageiro recebe o primeiro plano; enquanto isso, outros que aparecem no plano de fundo também são sobreviventes do desastre do vôo 815. Equivale a dizer que, de um modo ou de outro, seus “destinos” estavam sempre se cruzando, até esse momento crucial em que são todos reunidos numa ilha “perdida”. Antes estavam só no mesmo mundo, um planeta “perdido”, mas não “no meio” do Universo – os astrônomos da atualidade declaram de maneira praticamente unânime que estamos3 pendurados numa das pontas da Via Láctea. No entanto, desconfio que, se fosse depender do julgamento da política vigente no mundo, a Via Láctea apareceria no hemisfério superior dos mapas estelares. 

É verdade. De certo modo, estamos perdidos. Perdidos no mesmo mundo, uma ilha no grande oceano do infinito. Também em relação a nós mesmos: somos consciência mínima, luz de vela, no meio desse luzeiro imenso, que teimamos em interpretar como escuridão, que é a psique. 

De tal modo que só pode fazer sucesso estrondoso uma abordagem que evidencia, a todo o momento, como estamos perdidos, como acabamos nos encontrando uns aos outros e é esse ato de reconhecer nossos pontos em comum, nossos pontos de conexão, que dá tanto sentido a nossas amizades, às nossas afinidades, e ilumina os caminhos da vida, apresentando sinais por onde podemos ir tateando com nossas pequenas velas através da penumbra. 

De tal maneira que temos a ilusão de que não estamos perdidos, pois nos encontramos. Topamo-nos, é verdade, de modo relativo. São referências. Temo-las entre uns e outros. Somos brasileiros ou não, gaúchos ou não, paranaenses ou não, entendemos essa ou aquela língua, nascemos neste ou naquele dia, nesta ou naquela hora, e tudo isso é absolutamente relativo. Não me parece que questionemos nossa existência, isto é, se escrevo isso, se leio isso, é porque existo. Não parece que sonho a escrita, ou que a escrita me sonha lendo. Mas os leitores que conhecem Memórias, Sonhos e Reflexões hão de se lembrar da visão de Jung de que ele era a visão de um iogue, e que esse iogue, ao parar de meditar, cessaria sua (a de Jung) existência. É o que diz Philip Dick: se Deus nos pensa, existimos. Se Deus parar de nos pensar, deixamos de ser, coisa bastante estranha para o pensamento que se crê “no topo do mundo”, mas um tanto natural para quem sabe que está “embaixo”. 

Alguns se atrevem a pensar que, se não pensamos em Deus, ele não existe. Mas isso ou é uma falácia, um exercício inconseqüente de retórica, ou um convite à possessão e, por que não, à loucura também, caso de Nietzsche, segundo consta. 

Não é possível matar a Deus sem ter – antes disso – de enfrentar as conseqüências de, pelo menos, perder-se, para, se for possível o reencontro, descobrir que de fato, como disseram os antigos, Deus é imortal e também (embora não apenas) por isso é Deus. 

Estar perdido também pode ser sinônimo de estar à beira do inferno, lá embaixo. A loucura tem algo de semelhante a isso, podemos pensar neste instante. Quando Jung faz a metáfora de que é uma consciência mínima, uma vela que deve ser tomada com muito cuidado para permitir iluminar na escuridão, tem essa noção imprecisa que temos – os estudantes da psique – de que os limites entre loucura e sanidade são bastante tênues. 

Podemos, aliás, pensar que a loucura não existe. Então, desaparecem os limites. Mas se pensarmos que a loucura é um dos graus da realidade4, também poderemos ter graus de sanidade5 como sendo degraus que ocupamos na escada que visa nos levar ao que em tese almejamos: sermos autenticamente humanos, não estarmos mais perdidos, sermos capazes de localizar com precisão nosso lugar e nossa essência não só no espaço e no tempo, mas em relação ao que sabemos de nós mesmos e dos outros, semelhantes ou não. Mas a loucura existe na medida em que somos capazes de atribuir, mesmo com todo o sentido de que somos capazes, a nós ou a outrem essa coisa nonsense de cavar buracos na Lua enquanto se pula carnaval em Marte no meio de uma viagem a Saturno6. É que, com tudo que podemos compreender também podemos nos recusar, conscientemente ou não, a fazê-lo. 

Então atribuir um nome ao outro mantém nosso lugar seguro: “é louco”, “está perdido”, fica “lá embaixo”. Ou seja, “não é comigo”. São eles que estão Lost, eu estou aqui, sentado confortavelmente na frente da televisão, comendo pizza, tomando refrigerante. Do que será feito esse tempero? Cenas dos próximos capítulos. Cenas dos capítulos anteriores. 

É também por isso que Lost faz sentido. Não apenas porque descreve metaforicamente a situação do mundo hoje, mas porque sempre se pode pensar que o que está ali não é verdade, enquanto eu, que tenho o controle remoto nas mãos, sou dono da verdade, tenha ou não que trabalhar amanhã, tenha ou não que dar um sentido e uma conclusão minimamente interessantes ao que escrevo, penso e vivo. Eu é que existo, eles não. A menos que eles possam me ver na tevê e me desligar com o controle remoto, mas isso é um absurdo.

No entanto, a mente infantil é capaz de crer nisso. Crer que Deus é dono do controle remoto que pode desligar todas as histórias em todas as televisões, ou que o detentor da suprema realidade é aquele que pode derradeiramente determinar se existimos ou não, e se vivemos os três tempos ou apenas um deles, se seremos fenômeno ou não. Pelo menos achamos que só a mente infantil é capaz disso. 

Pode-se pensar que são divagações filosóficas de um diletante, talvez alguém que leu demais ou de menos, e não chegou à conclusão alguma – aliás, difícil chegar a qualquer conclusão simplesmente lendo. 

É preciso viver, é preciso escrever no livro da vida, é preciso no livro da vida se inscrever. 

Por isso Jung reputava tão vital para o ser e a individuação as rotinas da vida, essa circunstância de ter algo a que se agarrar, essa referência a partir da qual podemos nos determinar como humanos autênticos, que Philip Dick faz questão de citar em seu texto Como Construir Um Universo Que Não Se Despedaça Dois Dias Depois. 

Ter uma família, alguém a quem amamos; uma missão na vida; um cachorro, talvez um urso de pelúcia. É outro aspecto de Lost cujos personagens sentem falta, a rotina da vida cotidiana. No entanto, em Roma, fazer como os romanos. É preciso adaptar-se à vida também, criando rotinas. Quanto ao cachorro, Jung cita, quando fala da participation mistique: “você e seu cachorro no escuro”. Ter alguém (ou algo) a quem (ou ao qual) se agarrar mesmo na escuridão – embora possamos pensar que no escuro é muito fácil criar participação mística com o que quer que seja. 

Por isso também encontramos projeções: encontramos no mundo os aspectos que nos permitem fazer nele nossas almas, à semelhança do que Hillman disse, que “o mundo é lugar de fazer alma”. 

Reconhecemo-nos também no mundo, para que possamos nos reconhecer em nós mesmos: perdidos, para que possamos nos descobrir. A Oração de São Francisco de Assis é neste aspecto uma lição de sabedoria: “Que eu procure mais…” fazer do que ser feito – amar que ser amado, compreender que ser compreendido. Levar a luz às trevas, a esperança ao desespero. Ser capaz de viver a realidade e não a ilusão, e ser capaz de manifestar, na ilusão, a realidade. Coisas tão simples quando escritas e tão incrivelmente difíceis na realidade. 

“Pois é morrendo que se vive…”, porque, ao chegar lá embaixo, ou nos limites dessa situação, com freqüência surge uma oportunidade maravilhosa, algo que, dado um mínimo de percepção, nos iça de volta ao limiar da consciência e nos permite retornar à vida. Perdidos, pois precisamos ser encontrados. 

Assim é que Lost é um apelo, um chamado de e para o homem moderno. Não é para os que já sabem se sustentar e viver de si mesmos: os personagens são tontos da cidade moderna que mal sabem o que fazer no mato: um médico que não consegue reconhecer nas plantas à sua volta as substâncias de que a medicina depende; um construtor que encontra uma paisagem nua, mas não quer construir nela, quer voltar para a “civilização”, onde tudo já parece estar construído. Não há um padre, não sabem sequer fazer um ritual fúnebre, o que equivale a dizer que não têm respeito suficiente pelos mortos, e isso também que nossa sociedade perdeu a ligação com seu próprio passado. 

Há em Lost dois homens que sabem fazer muitas coisas: um era paralítico na sociedade moderna; vivia amarrado a uma cadeira de rodas, enganado pelo próprio pai e pela própria mãe7, trabalhando em uma fábrica de caixas de papel, sonhando em ser um grande explorador, um caçador e um sábio, coisa que se torna ao se encontrar na ilha, um rei, com um olho em terra de cegos. O outro, um iraquiano, ex-torturador na Guarda Republicana do Iraque, aprendeu em seu ofício de guerra a refletir sobre o valor da vida e do amor; parece por vezes ter mais consideração pelo ser humano do que os “civilizados”. É dos árabes que vem de resgate a alquimia, de descoberta a álgebra, de invenção o algarismo entre outros objetos das ciências cuja perspectiva inicial foi perdida de vista pela civilização fragmentária que esqueceu o rumo e caiu, em pleno vôo, rumo a uma ilha onde é obrigatório reconhecer que não é possível viver só. Há uma mulher, coreana, que sabe cultivar plantas, e serve de elo entre o oriente e o ocidente. Seu marido, coreano também, é o único que parece saber alguma coisa sobre a pesca. Ambos representam, relutantemente, ligações entre o homem e a natureza – os ocidentais falam de ecologia, mas sua cultura é aquela que mais se distancia dela. 

Tais personagens sugerem que aquilo que em nossa civilização pode dar condições de conhecimento de si mesmo está engessado. A exemplo disso o médico, que é o líder da turma toda, está constantemente envolto em questões que o fazem questionar sua própria capacidade de decidir, tanto quanto a de crer. É que a ciência também está engessando a criatividade humana, na medida em que constrói impedimentos à fé, pois toda criação parte de um ato de fé. Se o ser humano não puder ter o numinoso como elemento fundamental de sua existência, será difícil justificar qualquer de seus inventos. 

Isso também faz lembrar o Egito, cuja civilização durou milhares de anos: o númeno era o elemento fundamental, central, da construção da civilização egípcia. Aliás, os grandes monumentos da história representam não o que há de cotidiano e banal no homem, mas o que está muito além da aspiração diária. São representantes das “esferas fixas” em torno das quais gira o universo, segundo Hermes Trismegistus; são também elementos a priori, não funções, mas coisas anteriores mesmo às idéias; são geradores de idéias, ideais; arquétipos, fundamentos da vida. 

O apelo de Jung está mais vivo do que nunca. É preciso conferir a todos os atos da vida o fundamento psíquico, para que as coisas sejam aquilo que na verdade são, isto é, representantes do ser e facilitadores do devir. 

E pareceu-me, enfim, que estas estão entre as principais razões do sucesso “fenomênico” de Lost: é que por trás do fenômeno está o númeno, e este impulsiona àquele, sem o qual o fenômeno, destituído de alma, torna-se, no máximo, simples “coincidência”. Em Lost a princípio parece não haver númeno entre os sobreviventes do vôo que caiu, mas há a floresta, a ilha, o oceano, os perigos, e todos paulatinamente se revelam interrelacionados, além do presente, com o passado dos sobreviventes e seus destinos. Pois parece ser preciso destacar para o ser humano uma situação que lhe ofereça um deslocamento em relação ao seu cotidiano para que possa perceber, nas entrelinhas, o que também está presente no cotidiano, mas que é tão invisível, porque estamos perceptivamente embotados em relação a nossa vida diária, e esse embotamento é tão endêmico, tão subjacente a esta nossa sociedade, que o “mal do século” – segundo se dizia no início do ano 2000 em relação à depressão – não foi resolvido, nem sequer foi conhecido como elemento necessário à transformação social.

1 Numa de conversa de bar em Sidney, o pai de um dos protagonistas – o médico Jack – conversa com outros dos protagonistas, Sawyer, sobre a bebida e a Austrália, em um flashback da passagem de Sawyer pela Autrália.
2 São três filmes: O Cubo, o Cubo Dois e o Cubo Zero, que cronologicamente se situa antes do “Cubo”, mas foi o último a ser produzido.
3 Muita gente considera obra do acaso o fato de que estamos, uns sete bilhões de habitantes humanos e outros tantos seres vivos, neste mesmo planeta, com tantos lugares no universo para se estar!
4 Assim como é um dos graus da percepção da realidade.
5 Ser são, aliás, não significa que aquilo que percebemos é aquilo que é – longe disso.
6 Aliás, em termos psíquicos isso é possível, ou não teríamos formulado a hipótese. Se pode ser escrito, é porque pode ser imaginado. Muitas coisas podem ocorrer no campo da psique, embora nunca se manifestem, sabem isso pelo menos os junguianos. Daí que a realidade psíquica é tão mais abrangente que a física, porque a última é manifesta, mas a primeira está no campo da criação das coisas.
7 Num dos episódios, já adulto, após anos de vida como órfão, é enganado por sua mãe e pai de modo a doar um dos rins para o pai; em seguida é posto de lado. No entanto, na ilha é o maior portador da fé. Acredita num aspecto transcendental da vida que o reabilitou.

OS DOMINGOS PRECISAM DE FERIADOS

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Por Nilton Bonder

Toda sexta-feira à noite começa o shabat para a tradição judaica. Shabat é o conceito que propõe descanso ao final do ciclo semanal de produção, inspirado no descanso divino, no sétimo dia da Criação.

Muito além de uma proposta trabalhista, entendemos a pausa como fundamental para a saúde de tudo o que é vivo.
A noite é pausa, o inverno é pausa, mesmo a morte é pausa. Onde não há pausa, a vida lentamente se extingue.

Para um mundo no qual funcionar 24 horas por dia parece não ser suficiente, onde o meio ambiente e a terra imploram por uma folga, onde nós mesmos não suportamos mais a falta de tempo, descansar se torna uma necessidade do planeta.

Hoje, o tempo de ‘pausa’ é preenchido por diversão e alienação. Lazer não é feito de descanso, mas de ocupações ‘para não nos ocuparmos’. A própria palavra entretenimento indica o desejo de não parar. E a incapacidade de parar é uma forma de depressão.

O mundo está deprimido e a indústria do entretenimento cresce nessas condições. Nossas cidades se parecem cada vez mais com a Disneylândia. Longas filas para aproveitar experiências pouco interativas. Fim de dia com gosto de vazio. Um divertido que não é nem bom nem ruim. Dia pronto para ser esquecido, não fossem as fotos e a memória de uma expectativa frustrada que ninguém revela para não dar o gostinho ao próximo..

Entramos no milênio num mundo que é um grande shopping. A Internet e a televisão não dormem. Não há mais insônia solitária; solitário é quem dorme. As bolsas do Ocidente e do Oriente se revezam fazendo do ganhar e perder, das informações e dos rumores, atividade incessante. A CNN inventou um tempo linear que só pode parar no fim.

Mas as paradas estão por toda a caminhada e por todo o processo. Sem acostamento, a vida parece fluir mais rápida e eficiente, mas ao custo fóbico de uma paisagem que passa. O futuro é tão rápido que se confunde com o presente. As montanhas estão com olheiras, os rios precisam de um bom banho, as cidades de uma cochilada, o mar de umas férias, o domingo de um feriado…

Nossos namorados querem ‘ficar’, trocando o ‘ser’ pelo ‘estar’. Saímos da escravidão do século XIX para o leasing do século XXI – um dia seremos nossos?

Quem tem tempo não é sério, quem não tem tempo é importante. Nunca fizemos tanto e realizamos tão pouco. Nunca tantos fizeram tanto por tão poucos…

Parar não é interromper. Muitas vezes continuar é que é uma interrupção.

O dia de não trabalhar não é o dia de se distrair – literalmente, ficar desatento. É um dia de atenção, de ser atencioso consigo e com sua vida. A pergunta que as pessoas se fazem no descanso é ‘o que vamos fazer hoje?’ – já marcada pela ansiedade. E sonhamos com uma longevidade de 120 anos, quando não sabemos o que fazer numa tarde de Domingo.

Quem ganha tempo, por definição, perde. Quem mata tempo, fere-se mortalmente. É este o grande ‘radical livre’ que envelhece nossa alegria – o sonho de fazer do tempo uma mercadoria.

Em tempos de novo milênio, vamos resgatar coisas que são milenares. A pausa é que traz a surpresa e não o que vem depois. A pausa é que dá sentido à caminhada. A prática espiritual deste milênio será viver as pausas. Não haverá maior sábio do que aquele que souber quando algo terminou e quando algo vai começar.

Afinal, por que o Criador descansou? Talvez porque, mais difícil do que iniciar um processo do nada, seja dá-lo como concluído.

Namastê!

Há quase 11 anos atrás estive no Nepal, estudando Medicina Ayurvedica e Medicina Tibetana, e conhecendo a cultura local. De tudo, o mais fascinante é a forma de cumprimento que eles usam, o Namastê, em que as duas mãos se unem na frente do peito, e a cabeça é inclinada para frente. O significado deste cumprimento é “O Deus que há em mim saúda o Deus que há em você.”

Neste gesto e nesta palavra há implícito um enorme respeito pelo outro ser humano, que é considerado um portador de Deus. Diante de tanta violência, de tantos desrespeitos, esquecemos que o ser humano é o que há de mais sublime na Terra. E nossos atos precisam ser permeados pelo que temos de Deus dentro de nós. Portanto, através deste gesto, as pessoas elevam-se acima de suas diferenças e buscam uma conexão com o outro.

Vejamos alguns exemplos de como esquecemos que Deus está dentro de cada ser humano. No fim do ano de 2007, um rapaz foi torturado até a morte dentro de casa por PMs no estado de São Paulo. No reveillón de Copacabana foram disparados tiros no meio da multidão e a suspeita maior é de que foram disparados na própria praia. A mídia fala incessantemente sobre o aquecimento global e, no entanto, no período de estiagem foram feitas várias queimadas criminosas.

O Deus que está dentro de nós pode ser chamado por vários nomes, como Eu Superior, Eu Interior, Poder Superior, etc, mas é o mesmo princípio de que somos mais do que podemos ser, somos mais do que nosso cotidiano de trabalho, preocupações, contas, engarrafamentos e más notícias nos permite acreditar. Leonardo Boff escreveu um livro chamado “A Águia e a Galinha”, que fez grande sucesso nos anos 90, e dele extrai este trecho abaixo:

Cada um hospeda dentro de si uma águia. Sente-se portador de um projeto infinito. Quer romper os limites apertados de seu arranjo existencial. Há movimentos na política, na educação e no processo de mundialização que pretendem reduzir-nos a simples galinhas, confinadas aos limites do terreiro. Como vamos dar asas à águia, ganhar altura, integrar também a galinha e sermos heróis de nossa própria saga? (Leonardo Boff)

Saber reconhecer em si esta qualidade divina é o diferencial que pode tornar nosso mundo mais fraterno e agradável de se viver. Portante, Namastê para você!

O Que É Espiritualidade

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Do livro: “ESPIRITUALIDADE – Um Caminho de Transformação”

de Leonardo Boff

Agora cabe colocar diretamente a pergunta: afinal, o que é espiritualidade? Uma vez fizeram esta pergunta ao Dalai-Lama e ele deu uma resposta extremamente simples: “Espiritualidade é aquilo que produz no ser humano uma mudança interior”.
Não entendendo direito, alguem perguntou novamente:
– Mas se eu praticar a religião e observar as tradições, isso não é espiritualidade?
O Dalai-Lama respondeu:
– Pode ser espiritualidade, mas, se não produzir em você uma transformação, não é espiritualidade. E acrescentou:
– Um cobertor que não aquece deixa de ser cobertor.
Então atalhou a pessoa:
– A espiritualidade muda ou é sempre a mesma coisa?
E o Dalai-Lama falou:
– Como dizem os antigos, os tempos mudam e as pessoas mudam com ele. O que ontem foi espiritualidade hoje não precisa mais ser. O que em geral se chama de espiritualidade é apenas a lembrança de antigos caminhos e métodos religiosos.
E arrematou:
– O manto deve ser cortado para se ajustar aos homens. Não são os homens que devem ser cortados para se ajustar ao manto.

Parece-me que o principal a ser retido desse pequeno diálogo com o Dalai-Lama é que espiritualidade é aquilo que produz dentro de nós uma mudança. O ser humano é um ser de mudanças, pois nunca está pronto, está sempre se fazendo, física, psíquica, social e culturalmente. Mas há mudanças e mudanças. Há mudanças que não transformam nossa estrutura de base. São superficiais e exteriores, ou meramente quantitativas. Mas há mudanças que são interiores. São verdadeiras transformações alquímicas, capazes de dar um novo sentido à vida ou de abrir novos campos de experiência e de profundidade rumo ao próprio coração e ao mistério de todas as coisas. Não raro, é no âmbito da religião que ocorrem tais
mudanças. Mas nem sempre. Hoje a singularidade de nosso tempo reside no fato de que a espiritualidade vem sendo descoberta como dimensão profunda do humano, como o momento necessario para o desabrochar pleno de nossa individuação e como espaço da paz no meio dos conflitos e desolações sociais e existenciais.

O Entusiasmo

Entusiasmo

Swami Chidvilasanda (Obrigado, Tio Aldo)

O entusiasmo torna uma pessoa capaz de atingir sua meta. O entusiasmo o eleva. Quando você se conscientiza de sua enorme capacidade para o entusiasmo, descobre que há algo sagrado em seu interior. O que é?

A resposta está na própria palavra. Se você for às suas raízes, descobrirá que a palavra entusiasmo vem do grego enthusiasmus. A sílaba EN significa “em, dentro ou possuído”. e THEOS significa “Deus”. Assim, a palavra entusiasmo literalmente significa “carregando Deus no interior” ou “possuído pelo Senhor interior”! Quando você está cheio de “entusiasmo”, está cheio da energia de Deus, de um grande poder, de uma graça maravilhosa. Conscientizar-se totalmente do que você carrega em seu interior é herdar todo o paraíso. Essa consciência o liberta por completo das preocupações. Você está preenchido por Deus. O que poderia alquebrar então seu espírito? Essa nova compreensão da palavra entusiasmo evoca um desejo profundo em seu interior.

“Entusiasmo e energia são amigos muito úteis neste mundo. Você já deve ter notado como se sente espontaneamente atraído por pessoas entusiasmadas. Quando alguém está cheio de exuberância e vigor, você quer ficar perto dele.”

UMA ESCUTA ATENTA DA DEPRESSÃO

 

 

Uma tarde com James Hillman

por John Söderlund

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Esta entrevista foi traduzida mediante autorização de seu autor. O original em inglês pode ser acessado em newtherapist.com/hillman8.html.

 

Não, 90 por cento do tempo eu não permito que as pessoas me fotografem,” responde James Hillman bruscamente.

“Será que isto poderia ser parte dos 10 por cento,” eu me arrisco, dando um sorriso na direção do homem de aparência comum sentado na ponta de sua cadeira atrás da mesa, posicionada no centro do palco.

“Não, definitivamente não,” ele responde, bufando e desviando o olhar antes que o meu sorriso pudesse intervir para suavizar a pancada.
Eu me viro rapidamente, constrangido e furioso pela sensação de ter tomado um fora brutal, e sumo no meio dos dois mil ou mais membros da platéia que esperavam ansiosamente pelo discurso de Hillman.
Este é o piece de resistance no menu junguiano da Conferência Evolution of Psychotherapy de 2000, uma reunião de gurus da psicoterapia e alguns milhares de clientes bajuladores que vão beber até a última gota das palavras de seus “mestres”.

“Quem ele pensa que é,” eu resmungo para mim mesmo silenciosamente enquanto me sento no fundo do auditório e espero sua fala.

“A psicologia junguiana diz respeito, acima de tudo, à atitude,” ele começa. “Logo, o trabalho todo está em compreender esta atitude em direção à psique, ou à alma. A questão é: ‘O que é que a psique está fazendo ao apresentar o paciente com uma depressão?’”

Este é o Hillman clássico, brincando com o controverso e escorregadio tema da alma, com o qual mereceu um pouco de atenção recente no seu livro O Código do Ser. Escute relaxadamente e é atraente e empolgante. Preste muita atenção e ele apresenta mais buracos do que um queijo suíço, eu penso, ainda ferido.

“Ao invés de ver a depressão como uma disfunção, ela é um fenômeno funcional. Paralisa-te, acalma-te, deixa-te terrivelmente infeliz. Então você sabe que ela funciona,” explica Hillman, falando devagar e deliberadamente o bastante para um texto escrito à mão, transcrito palavra por palavra.

Você está fazendo uma ligação causal entre a epidemia da depressão no final do século XX e o estilo de vida que adotamos nas nações industriais do primeiro mundo, eu penso junto com algumas outras centenas de terapeutas extasiados?

“Se a história é meramente a repetição de uma estória, então não é necessariamente causal. Na visão de Jung, a causalidade é algo mais formal,” ele contra-ataca intuitivamente, desviando-se de um entendimento claro de onde está indo.

A consciência é “unilateral” na psicologia de Jung. Esta visão unilateral que retemos do mundo é complicada com a chegada de “outras partes”, continua Hillman, “aquelas deixadas do lado de fora da sala principal, que entram pela porta dos fundos.

E o que entrou, passou despercebido pela consciência, não está lá com a intenção criminosa típica de quem entra pela porta dos fundos, mas veio para perturbar o programa unilateral que a consciência tinha a intenção de perseguir. Este intruso é um agente de mudança a serviço da busca de sentido que vai além do sentido que a consciência pode nos oferecer, eu penso, enquanto Hillman dá uma pausa, permitindo aos seus ouvintes posicionar as peças desconectadas do quebra-cabeça em seus lugares corretos sem nenhuma peça de conexão. Mas as partes que faltam são facilmente posicionadas por sua platéia atenta, absorvendo-as.

“Os fatos acima mencionados são a essência da atitude junguiana para o que vem à tona na sua vida e na de seus pacientes,” resume.

A epidemia da depressão

Os jornais nos dizem que há muito mais depressão à nossa volta do que imaginamos, que ela é endêmica em nossa cultura, a maior reclamação apresentada na prática médica, nos diz Hillman novamente, resumindo alguns anos de estatísticas e projeções de saúde mental superficiais.

“Temos que fazer alguma coisa sobre a depressão!” ele diz, imitando provocativamente a principal resposta psiquiátrica aos pacientes que apresentam sintomas de depressão.
É claro, eu penso, relembrando algumas projeções recentes que acreditam que a depressão irá defasar a força de trabalho nas próximas duas décadas.

Um dos principais critérios diagnósticos para a depressão, aponta Hillman, é se sentir deprimido a maior parte do dia, praticamente todos os dias, durante duas semanas pelo menos.

“È o mesmo que colocar uma doença crônica na categoria de uma doença [?] aguda. Temos que perceber a natureza maníaca daquele diagnóstico, de que qualquer coisa que dure mais do que duas semanas em nossa cultura é longo demais”, ele diz.

“Esta é uma situação totalmente maníaca. Eu tenho que falar continuamente com vocês para vocês não se entediarem,” ele grita para a platéia. “Eu fico em frente ao meu fax, dou-lhe umas pancadas e digo: ‘Por que demora tanto para estas malditas coisas passarem?’” Soltamos uma gargalhada enquanto duas outras peças do quebra-cabeça de Hillman se encaixam.

O que a maioria dos americanos reclama é de não ter tempo suficiente nem sono suficiente. Maníacos não precisam dormir nem comer. Podemos nos sentar durante o dia inteiro na frente do computador, despenteados, nus como um doente em uma ala isolada do hospital. Então, onde é que a depressão, a lentidão, se encaixam? Como é que Saturno entra, a não ser forçando sua entrada?
A economia da depressão

O custo direto da depressão responde por apenas uma pequena parte das despesas médicas médias de uma pessoa, ele continua, mas nossa oposição frenética à depressão e o que isto representa tem uma grande semelhança em nossos temores econômicos dominantes hoje em dia.
Falamos de uma depressão econômica. Nos preocupamos com a crise de energia em termos econômicos e com a inibição da vontade em nossos pacientes. Ponderamos sobre a ameaça da poluição mundial enquanto nossos pacientes depressivos ruminam sobre suas fantasias de que seu interior está se tornando negro, de que estão sendo envenenados. Tememos o desemprego e a característica dominante dos indivíduos depressivos é que eles não conseguem levantar para ir trabalhar, aponta Hillman.

Duas vezes mais mulheres do que homens de todos os grupos raciais estão propensos a sofrer de depressão, ele continua.
“A cultura maníaca é fundamentalmente uma cultura da testosterona. Isto começou no século XIX, as mulheres eram as portadoras de uma enorme quantidade de sintomas, que elas apresentavam aos médicos”.

“Hoje em dia esta depressão ultrapassou os limites que tinha no começo da psiquiatria. Está na juventude, nas crianças, e o termo é usado muito amplamente. Mas é muito importante se voltar para que tipo de experiência aquela pessoa (que sofre de depressão) está passando.”

“Na prática, as pessoas dizerem que estão deprimidas é insuficiente, não é o bastante. Eu quero saber o que, onde, como, quais são os correlatos físicos, o que você come, o que acontece quando você está naquela cadeira e quando você se levanta da cadeira. Quero saber um monte de coisas sobre seu corpo.”

É saber o que aquela experiência depressiva está lhe dizendo como clínico, eu penso, se distanciando do diagnóstico e chegando ao âmago da experiência. Eu divago momentaneamente e penso a respeito do horário maníaco que mantenho há tanto tempo, relembrando como me sinto quando diminuo a velocidade por um minuto. Sinto-me bem por perceber o momento, eu penso, enquanto volto para a lista dos correlatos depressivos de Hillman.

“Cabelos secos, respiração curta, suspiros freqüentes, um tom diminuído ou nulo para tudo, sonolência e semblante sofrido, com uma seriedade diferente da ansiedade. Isto é muito importante. Tudo parece tão pesado, opressivo. Os romanos a chamavam gravitas, ela pertence a Saturno,” ele continua.

“Em seu treinamento você provavelmente escutou que a depressão é pior durante a manhã. Porque é que a depressão é pior durante a manhã? O que é que isto diz a respeito do dia no qual você está entrando? Será que é porque não tem um tom menor na música que tocam no rádio de manhã, porque você tem que acompanhar o nascer do sol? Temos que encontrar algum sentido nas coisas que observamos.”
Então, qual é o sentido que você encontra nisso, eu penso, ficando um pouco impaciente com o ritmo no qual ele está se movendo. Novamente, quase intuitivamente, Hillman sugere um intervalo e, na volta, liga um vídeo para passar um documentário britânico, entitulado “Kind of Blue”. Hillman é um dos primeiros entrevistados do documentário.

“Uma das coisas que você não quer ser é interrompido,” ele diz, agora com 6 metros de altura e em cores extremamente nítidas na tela, um vulto aparecendo gradualmente para a platéia.

“Você pode continuar, continuar, continuar na base de café e estimulantes. Quando você assiste os heróis na TV eles nunca se cansam. (Mas) a lentidão é básica para a noção de melancolia desde a sua primeira origem. A mania é com frequência descrita na psiquiatria como a ausência de tristeza. Perda significa perder o que se foi. Nós queremos mudar mas não queremos perder. Sem tempo para a perda não temos tempo para a alma,” ele diz retornando ao ponto.

“A melancolia nos leva a um lugar onde podemos ver mais claramente as essências da vida,” diz Jules Cashford, um escritor, ao entrevistador.

A alma conhece o caos da cultura em que vivemos. De alguma forma, se você não está de luto, você está desconectado do mundo. Então, a depressão subjacente é uma adaptação à condição obscura do mundo, explica Hillman. Toda vez que alguém cai em depressão todo mundo vem ressuscitá-lo, e temos as drogas e a terapia convulsiva para tratá-lo. Na vida comum, apenas nos levantamos e nos movemos novamente para evitar a depressão, ele continua.

O filme acaba, Hillman encolhe novamente ao seu tamanho normal e retoma a fala ao vivo. “Este filme foi considerado muito lento para a platéia americana, conseqüentemente, foi rejeitado pela PBS. Este filme pode ser parte da evolução da psicoterapia,” ele graceja, convidando o público às perguntas.

Um membro da platéia profere timidamente que ele luta para reconciliar o humanista existencial com o cientista nele mesmo quando se depara com um cliente deprimido. Será que eu ataco a depressão de uma maneira hábil ou me sento com as questões existenciais desconfortáveis que a depressão levanta?

A questão aborrece o Hillman impressionista: “Eu sugiro que você se sente com seu humanista existencial e seu cientista e que vocês três tentem chegar a uma conclusão,” ele retruca. O questionador se encolhe de volta em seu assento.

“Isto não é instrumentalismo, não é uma técnica que estou ensinando para vocês usarem. Vocês não vão persistir na esperança. Vocês vão manter a fé, e um dos caminhos da terapia que parecem mais úteis não é que você faça alguma coisa, mas que você mantenha o contato. Você é um acompanhante crônico, consistente, ao invés de ser um terapeuta que faz alguma coisa contra o problema,” ele diz.

“O que acontece é que você se torna ativado pelo silêncio ou a caída. Contra a paralisia existem os métodos super ativos de tratamento. A terapia eletroconvulsiva foi desenvolvida por um italiano que também desenvolveu fusíveis para aeronaves,” ele diz como que contando um segredo. “Na história do tratamento da depressão, havia o dunking stool (técnica de tortura onde se afogava a vítima), a purgação da bílis negra do intestino, tentativas de chocar o paciente. Todas estas tentativas representam o ódio ou a agressão contra o que a depressão representa no paciente.”

Mas Hillman não censura o tratamento du jour para a depressão – psicofarmacologia.

“Não existem razões para não tirarmos vantagem das medicações. O importante é a sua atitude perante isto, como você mantém aquele demônio em seu lugar para que não tome conta de você.” O truque, ele reitera, é manter o foco no que o paciente está sentindo, pensando, e imaginando.

“Não tenho a intenção de achar maneiras de acabar com a depressão. A depressão traz a lentidão, um movimento contrário à mania, intimidade. Ela abre a porta a algum tipo de beleza. Logo, parece haver algo lá dentro além da forma como você, o ego, enxerga,” ele conclui, completando uma imagem tosca e impressionista de um dos mais valiosos iconoclastas do mundo, que é muito mais valiosa do que aquela que pode ter sido apreendida pela minha câmera.

Tradução de Gustavo Gerhein