Homeopatia não substitui vacina da febre amarela
Marcelo Guerra
Estamos atravessando um surto de febre amarela em áreas do Brasil onde não ocorriam casos autóctones (ou seja, casos em que foi contraída no próprio local e não numa área de floresta durante uma viagem, por exemplo) há quase um século. A febre amarela é uma doença transmitida por mosquitos Aedes aegypti (diferente de várias outras às quais já nos habituamos: dengue, chikungunya e zika) e apresenta um alto índice de letalidade.
Ter alta taxa de letalidade significa que muitas das pessoas que adquiriram a doença após a picada do mosquito morreram. Em atuais casos, o índice de letalidade estava em 27,7% (até o dia 7 de fevereiro foram 98 mortes de 353 casos desde julho), o que é muito alto.
Posts polêmicos no WhatsApp
Em 23 de janeiro deste ano, a Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB) divulgou uma nota em diversos órgãos de imprensa sobre o que chamou de “boa prática homeopática”. A nota foi uma resposta às diversas recomendações divulgadas em redes sociais como o Facebook e o Whatsapp (tanto por textos escritos como por áudios) citando “vacinas homeopáticas” para a febre amarela, que substituiriam a vacina original.
“Reiteramos que essas formulações não contam com o apoio oficial da Associação Médica Homeopática Brasileira (AMHB). A utilização sistemática de medicamentos homeopáticos, conforme vem sendo divulgada amplamente, que não foram testados cientificamente, é incompatível com a boa prática homeopática. Além disso, essas postagens incitam a automedicação, atitude reprovável e que pode colocar em risco a saúde da população. A AMHB está de acordo com as normas do Conselho Federal de Medicina (CFM), Associação Médica Brasileira (AMB) e Ministério da Saúde quanto à prevenção e ao manejo dessas enfermidades”, explica a Associação Homeopática.
Homeopatia e as vacinas
Samuel Hahnemann, alemão que fundou a Homeopatia, foi contemporâneo de Edward Jenner, inglês criador da primeira vacina, contra varíola. Hahnemann viu no processo de vacinação um exemplo bem aplicado da Lei dos Semelhantes, essência da Homeopatia.
A palavra vacina vem do latim vaccinus, de vacca (vaca). Jenner percebeu que algumas mulheres que ordenhavam vacas eram imunes à varíola, por terem se contaminado com vaccínia (doença benigna do gado semelhante à varíola). Então ele extraiu o pus da mão de uma ordenhadeira que havia contraído a vaccínia e o inoculou em um menino saudável, James Phipps, de oito anos, em 4 de maio de 1796. O menino contraiu a doença de forma branda e logo ficou curado. Em 1º de julho, Jenner inoculou no mesmo menino líquido extraído de uma pústula de varíola humana e a criança não contraiu a doença, o que significava que estava imune à varíola. Ou seja, dá-se origem à vacina.
Na sequência, o médico homeopata inglês, James Comptom Burnett, cunhou o termo Vacinose para nomear os sintomas de fadiga e deficiência na imunidade que ele acreditava serem causadas por vacinas. Essa ideia espalhou-se rapidamente por diversos textos homeopáticos, alguns erroneamente creditando a Hahnemann (pai da homeopatia) esse conceito. Burnett também apresentava um tratamento para a vacinose. Contudo, essa ideia de vacinose, assim como a vacinação, é ainda polêmica entre os homeopatas.
O fato é que, em medicina, é fundamental sempre pensar em custo-benefício. Diante de uma doença que mata rapidamente quase metade daqueles que a contraem, há de se buscar uma resposta rápida, segura e de eficácia comprovada. A vacina contra febre amarela tem uma letalidade de 0,0004%. Ou seja, 1 a cada 250 mil pessoas vacinadas pode morrer. A vacina contra febre amarela pode causar eventos adversos graves, afetando o fígado, os rins ou o sistema nervoso central, tendo sido reportados na mesma proporção que os casos de morte. Como toda medicação, há um risco. Neste caso, bem pequeno, diante do total de vidas que a vacina pode poupar da morte por febre amarela.
Sem apostas ou experiências
Os medicamentos homeopáticos podem tratar e prevenir muitas doenças, muito mais do que a população supõe. Contudo, não há um volume de evidências clínicas ou experimentais ainda que sustente o sucesso na prevenção da letal febre amarela.
Tendo isso em mente, não é o momento de apostas ou experiências sobre imunização.
Como testemunho pessoal, sou médico homeopata em tempo integral há mais de duas décadas e meus filhos e eu optamos por tomar a vacina contra febre amarela tradicional.
Breve histórico
Combatida por Oswaldo Cruz – bacteriologista que dá nome à Fundação Fiocruz – no início do século 20 e erradicada dos grandes centros urbanos desde 1942, a enfermidade voltou a assustar os brasileiros no ano de 2017, com a proliferação de casos silvestres.
A febre amarela foi erradicada no Brasil após o sucesso da vacinação em massa que Osvaldo Cruz liderou no Rio de Janeiro. O triunfo dessa empreitada, porém, não se deu sem resistência. A população, sob influência de grupos políticos opositores ao Presidente Rodrigues Alves, já havia se levantado em período anterior (1904) contra uma lei que tornava obrigatória a vacinação contra varíola, num episódio que entrou para história como “A Revolta da Vacina”. Na ocasião, tratava-se de uma campanha de vacinação obrigatória, imposta pelo governo federal. Embora seu objetivo fosse positivo, a aplicação ocorreu de forma autoritária, sem oferecer informação adequada à população. Nesta época, grande parte da pessoas não sabia o que era vacina e tinha medo de seus efeitos. Hoje, porém, já avançamos neste ponto e temos à disposição toda a orientação médica.
REFERÊNCIAS:
Wood, Mathew. Vitalism: The History of Herbalism, Homeopathy, and Flower Essences. Pg 182. North Atlantic Books, Berkeley, California, 2005.
https://oglobo.globo.com/rio/letalidade-por-febre-amarela-superior-40-acende-sinal-vermelho-no-governo-federal-22325265
http://www.who.int/mediacentre/factsheets/fs100/en/
Hahnemann, Samuel. Organon da arte de curar. 6ª edição
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